Criatividade e tradição são palavras-chave na produção de cervejas. Das panelas aos campeonatos mundiais, o Brasil dá passos importantes para virar referência no mercado cervejeiro e conquistar o paladar dos consumidores país afora. Edu Pelizzon é sommelier gaúcho e, em 2015, foi um dos 22 brasileiros a participar da quarta edição do Campeonato Mundial de Sommeliers de Cerveja, realizada em São Paulo.
De onde surgiu a ideia de se tornar sommelier de cervejas?
Morei por três anos na Irlanda, e lá descobri novos rótulos e muitas cervejas bacanas de vários lugares, principalmente as europeias. Como eu era gerente de bar e restaurante, replicava e desenvolvia alguns coquetéis, mas eu sabia quais eram os ingredientes de cada receita. Com as cervejas, não. Daí nasceu a curiosidade de saber o que estava por trás daqueles aromas e sabores. O primeiro passo foi o curso de cerveja caseira, mas como prefiro trabalhar com o consumidor, direcionei meus estudos com foco em degustações e treinamentos.
Como foi participar do Campeonato Mundial de Sommeliers de Cervejas? Você já tinha participado de outras edições?
Foi a primeira vez que participei do campeonato mundial. A seleção foi através dos 26 melhores classificados de um total de 150 no Campeonato Brasileiro de Sommeliers de Cerveja, que havia ocorrido alguns meses antes. A experiência é fantástica, porque você conhece sommeliers do mundo inteiro e troca experiências e opiniões. Ao todo foram seis etapas bem complexas. Não houve divulgação da classificação geral, mas com certeza para todos os brasileiros que participaram fica o aprendizado e o desafio de elevar o nosso nível profissional. Temos boas chances e somos competitivos. Somos novatos na sommelieria e na produção de cervejas, mas os resultados já apareceram tanto nas cervejas quanto na evolução dos nossos sommeliers nos últimos anos.
Qual seu tipo de cerveja predileta? O que ela tem de especial?
Difícil escolher apenas uma, pois cada situação pede uma cerveja diferente. Cada cerveja combina com um momento específico e até mesmo com nosso estado de espírito. Mas, acima de tudo, as que eu mais gosto são a Witbier, a Saison e a Lambic, da escola belga. Também tem a americana American IPA, as German Pils e Bohemian Pils, da escola alemã, e a Stout, da inglesa.
Como você enxerga a indústria cervejeira do Brasil?
O Brasil já avançou bastante, mas há muito chão pela frente. Não é um mercado fácil. Temos a cada dia novos aventureiros que, por paixão, se arriscam em um mercado complexo e não muito glamouroso, como muitos imaginam. Temos novas criações de cervejeiros que hoje conseguem desenvolver cervejas incríveis, mas o fator da consistência representa um desafio enorme para a grande maioria das microcervejarias. Quanto aos estilos, ainda estamos carentes de bastante coisa. Mas estou empolgado com a tendência forte das Sour Beer e das Barrel Aged Beer, como pudemos ver no Festival Brasileiro da Cerveja. Mesmo com uma participação de menos de 1% do mercado, a produção de cervejas é bem promissora e o uso de ingredientes nacionais começa a dar indícios de que podemos ter uma escola brasileira em alguns anos. Hoje o que mais me preocupa é a qualidade do serviço nos bares do Brasil inteiro. Ainda precisamos de equipes mais qualificadas, preocupação com serviço e respeito aos estilos de cada cerveja. O público está cada vez mais informado e interessado em saber o que está bebendo, e esse é um trabalho que vem sendo realizado bravamente por cervejarias, blogueiros, revistas, sommeliers, etc. Porém, isso tem sido impactado pela alta do dólar e dos impostos, o que complica a chegada de vários rótulos ao Brasil, além de aumentar o custo de vários insumos utilizados na produção das cervejas nacionais.
O que diferencia uma cerveja brasileira das cervejas de origem europeia, por exemplo?
Esse é um ponto que gosto muito comentar, pois a cerveja tem essa versatilidade de ser um produto que, por razões históricas ou por disponibilidade de insumos, é criado em um determinado país, mas pode ser reproduzido em qualquer lugar do mundo, usando ingredientes especiais e técnicas cervejeiras precisas. A diferença está na qualidade dos insumos e equipamentos utilizados pelas cervejarias europeias e americanas, que têm uma consistência maior de produto final. No Brasil, já replicamos estilos de cervejas de várias escolas cervejeiras, ganhando concursos inclusive. Produzimos e criamos cervejas fantásticas, sem dúvida. No Brasil, nosso maior desafio é encontrar consistência nos rótulos produzidos pelas cervejarias. Estamos buscando acesso a melhores insumos, processos de produção e equipamentos estão trazendo retorno. Nossos amigos cervejeiros estão empenhados, confio que logo vamos atingir melhores níveis em breve.
Como o tipo de copo ou comida pode influenciar na degustação da cerveja?
Cada copo tem o objetivo de melhorar a experiência sensorial de cada estilo, valorizando os aspectos de maior destaque em cada uma das cervejas, como amargor, dulçor, potência alcoólica, levedura, etc. O copo ainda auxilia na percepção dos aromas e dos sabores captados no momento em que degustamos a cerveja. Com a comida, buscamos encontrar uma experiência sensorial diferente. É preciso casar os elementos da cerveja com as características do prato. Nosso objetivo é buscar um "terceiro" sabor, respeitando o equilíbrio de forças, contrastando sabores ou harmonizando por semelhança.