Reunindo diferentes gerações das icônicas assistentes de palco de Xuxa, o documentário Pra Sempre Paquitas já está disponível no Globoplay. A produção entrevistou 27 das 29 mulheres que, durante a infância e adolescência, trabalharam ao lado da apresentadora. Vanessa Melo e Diane Dantas foram as únicas que preferiram não participar.
Dirigida por Ivo Filho e pela ex-paquita Ana Paula Guimarães, na época conhecida como Catuxa, a série apresenta depoimentos das assistentes sobre a época em que trabalharam nos programas apresentados por Xuxa. Diferentemente da alegria apresentada nos palcos, a realidade de bastidores vivida pelas meninas envolvia rivalidades internas e uma rotina marcada por abusos.
Abaixo, Zero Hora listou os principais momentos da série, que estreou na plataforma na última segunda-feira (16).
"Todo mundo é substituível"
As paquitas vivenciaram diversos abusos praticados por Marlene Mattos. O assunto já havia sido abordado por Xuxa em seu documentário, lançado em 2023. A empresária atuou como diretora do Xou da Xuxa (1987-1992), Xuxa Park (1994-2001) e Planeta Xuxa (1997-2002).
Nos depoimentos, as assistentes lembraram de episódios de violências verbais, psicológicas e assédios morais por parte de Marlene. Em alguns momentos, elas mencionaram que a diretora utilizava o termo "putinh*" para se referir a elas e, frequentemente, exigia que ficassem sem roupas para que ela pudesse avaliar se precisavam perder peso.
Tatiana Maranhão, conhecida como Paquitita Loura, afirmou que a exigência de Marlene para que ela emagrecesse acabou resultando em um transtorno alimentar.
— Comecei a perceber que esse ideal de paquita que a Marlene tinha na cabeça dela era inalcançável para mim. Não havia o que eu fizesse, eu não ia conseguir chegar nesse lugar. Eu ia começar a me matar.
Segundo ex-Pituxa Louise Wischermann, o medo de perder o posto no programa era constantemente utilizado por Marlene como uma forma de ameaça:
— Tinha uma frase que ela adorava dizer: "todo mundo é substituível". Parecia que a gente não valia nada, podia ser trocada a qualquer momento.
Mea-culpa de Xuxa
No quarto episódio, Xuxa se reúne com as paquitas. Ao escutar relatos das violências sofridas pelas ex-assistentes de palco, ela se emociona e assume responsabilidade pelas experiências negativas que ocorreram durante o seu programa. Ela admitiu ainda que, na época, provavelmente não teria acreditado nos relatos das meninas sobre as agressões cometidas por Marlene.
— Eu seria capaz de brigar com cada uma, ou com quem viesse falar, porque eu confiava, respeitava, acreditava. Eu não protegi, eu não botei no colo. (...) Eu era uma mulher. Vocês eram crianças, eram adolescentes, eram pré-adolescentes.
Xuxa mantinha uma forte relação com Marlene, tanto que Sasha, sua filha, é afilhada da diretora. Elas romperam a relação em 2002 e se reencontraram apenas duas décadas depois, para as gravações de Xuxa, o Documentário. Na ocasião, Marlene falou sobre sua atitude com as paquitas na época:
— Elas vivem até hoje de ser paquita. Eu deixava elas de castigo porque eu queria que elas tirassem nota, eu não aceitava nota abaixo de sete.
A saída de Andréia Sorvetão
Uma das paquitas mais marcantes de sua geração, Andréia Sorvetão contou que sua saída do elenco foi traumática. Com problemas de saúde, ela não pôde comparecer a um show que o grupo faria em Minas Gerais. Em função disso, Marlene a expulsou do grupo definitivamente.
Para Xuxa, entretanto, a história foi contada de outra forma. Na época, a diretora afirmou que Sorvetão saiu do grupo por vontade própria, para seguir carreira solo.
— Marlene falou que ela disse que o público dela estava exigindo que fizesse uma carreira solo. — contou Xuxa. — Ou seja, se a pessoa quer crescer, se a pessoa quer uma coisa melhor do que ficar do meu lado, como eu vou dizer não? Não, fica do meu lado. O que eu ia falar? — questionou.
Andreia, que na época tinha 16 anos, disse que a situação lhe deixou profundamente triste:
— Eu soube que depois teve o momento da entrega do disco de ouro e do disco de platina, a gente recebeu no programa. Aí depois teve o duplo de platina. Eu acho que a Xuxa foi na casa de cada uma, mas não foi na minha casa me levar. Eu não recebi ela na minha casa.
Conflitos internos
No ambiente do programa, também surgiram conflitos e rivalidades entre as próprias paquitas. Roberta Cipriani, a Xiquitita Surfista, lembrou de um desentendimento sério que teve com Letícia Spiller, na época também paquita. Segundo ela, Letícia era uma das meninas que assumiam postura de "mandona". Em uma viagem de trabalho para a Argentina, elas discutiram, mas a briga não parou por aí:
— Voltamos e Letícia começou a discutir comigo e fez assim (gesto de dedo apontado), e eu fui e mordi o dedo dela. Também não fez mais.
Roberta afirmou que, enquanto elas brigavam, Marlene Mattos ria da situação, interferindo apenas para dizer que elas deveriam "voltar ao trabalho". Ainda segundo a ex-paquita, havia uma rivalidade envolvendo as veteranas do grupo, que tinham o costume de excluir as mais novas.
Homofobia
Na série, as paquitas também mencionaram atitudes homofóbicas enfrentadas nos bastidores. A hoje atriz Stephanie Lourenço, que trabalhou com Xuxa de 1999 a 2002, afirmou que tinha 12 anos quando foi chamada de "sapatão" por alguém que foi "abusiva moralmente com ela durante todo o seu percurso".
— Chegou uma fase da minha vida ali que eu já não me identificava com aquela feminilidade, com aquelas danças — relatou — Eu sofri um tanto de homofobia naquela fase, que foi difícil, mas eu era muito corajosa.
Stephanie afirmou que, antes de sofrer a agressão verbal, contava para suas amigas e colegas sobre sua orientação sexual e recebia apoio delas. Depois disso, entretanto, não se sentiu mais confortável em fazer isso, e, em suas próprias palavras, "ficou dentro do armário" por 20 anos:
— E eu vi que eu me reprimi de uma forma muito violenta por muitos anos. Era uma metade de mim que esqueci.