Quinze anos se passaram desde o assassinato da menina Isabella Nardoni que, aos cinco anos, foi atirada pela janela de um apartamento, em São Paulo, pelo pai, Alexandre Nardoni, e pela madrasta, Anna Carolina Jatobá. O crime chocou o país, e o sobrenome da família carrega o peso e a dor deste caso brutal, que está sendo resgatado pela Netflix com o documentário Isabella: O Caso Nardoni.
A produção conta com direção de Micael Langer e Claudio Manoel (sim, o ex-Casseta e Planeta), responsáveis por dois documentários que retratam ícones nacionais: Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei (2009) e Chacrinha: Eu Vim Para Confundir e Não Para Explicar (2021). Agora, embarcam mundo do true crime.
Mas, ao contrário das duas produções anteriores, o caso de Isabella Nardoni é mais recente e, ainda, contou com uma superexposição midiática, tornando o crime presente no dia a dia de boa parte da população — e o próprio documentário explora essa espetacularização. O desafio, então, é entregar uma narrativa que justifique a produção, não tornando-a apenas mais uma a surfar na onda dos crimes reais.
Para isso, a equipe mergulhou em mais de 5 mil fotos produzidas pela mídia e, também, no acervo da própria família de Isabella. Foram analisadas, ainda, mais de 6 mil páginas de processo. Quinze fontes de acervos audiovisuais foram pesquisadas e 63 horas de material de arquivo audiovisual, examinadas. Para chegar aos 1h44min de duração da produção, realizaram 118 horas de entrevistas, bem como a reconstrução da planta baixa do apartamento do casal Nardoni, para ajudar o público na compreensão do ocorrido.
Além disso, assinam como consultores do documentário o jornalista Rogério Pagnan, autor do livro O Pior dos Crimes – A História do Assassinato de Isabella Nardoni, e a criminóloga Ilana Casoy, autora de A Prova é a Testemunha e Casos de Família – Arquivos Richthofen e Arquivos Nardoni.
Emoção e comoção
Com todo este material, porém, a produção não vai muito além de fazer um resumo de tudo o que ocorreu durante o assassinato da menina, em 29 de março de 2008, até a condenação de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, em 27 de março de 2010. A ordem cronológica ajuda a elucidar o caso e, com o distanciamento, é possível fazer uma revisão dos acertos e erros na condução do caso. É aí que entra o principal trunfo do documentário: os entrevistados.
A mãe de Isabella, Ana Carolina Oliveira, que relutou para participar da produção, chegando a desistir de fazer parte, voltou atrás e decidiu compartilhar o seu olhar sobre a morte de sua, até então, única filha. Em falas emocionadas, ela revive aqueles dois anos, entre a dor que as recordações despertam e o objetivo de manter a memória de Isabella viva.
Os depoimentos de Ana Carolina e sua mãe, Rosa Oliveira, avó de Isabella, entre outros familiares, colocam o espectador dentro da tristeza e da incredulidade que se abateu na família. O documentário também resgata outros personagens importantes da época, como jornalistas, profissionais da perícia e advogados —inclusive, com versões divergentes. A construção destes debates é feita de maneira inteligente e ágil, criando uma dinâmica que provoca reflexões.
A produção, tal qual uma reportagem jornalística, que tem sido o rumo que os documentários em sua maioria estão tomando, abre espaço para os dois lados, com os profissionais responsáveis pela defesa do casal — e são por eles que são levantadas questões sobre quem estrangulou a menina ou quem jogou pela janela, fatos que, até hoje, nem Alexandre Nardoni nem Anna Carolina Jatobá revelaram.
Isabella: O Caso Nardoni, apesar de abrir este espaço para debates, não tem como objetivo colocar em dúvida a autoria do crime. O grande foco é resgatar o caso, apontando os erros da condução do mesmo, bem como a atuação da mídia na cobertura de um assassinato como esse, que abusou do sensacionalismo e transformou os envolvidos em celebridades, moldando a opinião pública.
Conhecida por suas produções de true crimes — apenas no cenário nacional, a plataforma já entregou títulos como Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime (2021), Bandidos na TV (2019), João de Deus – Cura e Crime (2021), entre outros —, a Netflix revisita mais um caso chocante. Desta vez, pouco avança em questão de criatividade, mas cumpre o nobre papel de dar visilidade a uma mãe que sofreu e sofre diariamente abrir o seu coração e, no final, poder mostrar que conseguiu voltar a sorrir.