Na enxurrada de filmes de super-heróis que o mundo recebeu nos últimos 15 anos, o universo latino pouco foi explorado — até houve, recentemente, por exemplo, pitadas em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022) e pinceladas mais fortes na franquia Homem-Aranha no Aranhaverso, que teve início em 2018. Porém, é com Besouro Azul, da DC Comics, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (17), que vemos este quadro ser preenchido, de fato, pela cultura da América Latina. Finalmente.
A trama da aventura acompanha a história de Jaime Reyes (Xolo Maridueña, de Cobra Kai), o primeiro de sua família a se formar na faculdade. O jovem, porém, logo percebe que as dificuldades para imigrantes oriundos do México só aumentam nos Estados Unidos, país cada vez mais mergulhado no progresso desenfreado, que atropela quem quer que esteja pelo caminho. Em busca de tentar salvar, pelo menos, a casa de sua família, o rapaz decide aceitar um subemprego.
Em uma reviravolta ocasionada pela própria personalidade de Jaime, com instinto de proteger os mais frágeis, ele acaba sendo escolhido como hospedeiro de uma antiga biotecnologia alienígena, que se conecta simbioticamente com o jovem. A partir disso, ele precisa se tornar um super-herói, o Besouro Azul, e derrotar aqueles que querem se apropriar do artefato para fins vilanescos — e, também, usar os seus poderes para proteger a sua família.
Este último elemento é o ponto central do filme. Os Reyes formam uma rede de apoio na jornada do herói, ajudando no desenvolvimento do protagonista e nos desafios que se apresentam. Assim, mesmo tendo uma estrutura muito semelhante com a de diversos filmes de super-heróis — em especial, o primeiro Homem de Ferro (2008) —, o roteirista Gareth Dunnet-Alcocer e o diretor Angel Manuel Soto empacotam o produto com um olhar que sai do eixo convencional, mesmo seguindo fórmulas já estabelecidas.
A aventura não foge da jornada do herói convencional — dos títulos recentes do subgênero, aliás, é um dos que mais segue à risca o passo a passo do monomito. Mas, dentro desta nova proposta do universo da DC Comics, é realmente uma estrutura de recomeço, ameaças menores, contidas dentro da própria história, com seres com poderes que podem causar estragos, mas não destruir planetas com um estalar de dedos. Um retorno bem-vindo.
Latinidade
Dentro do próprio Besouro Azul, é reforçado mais de uma vez que, agora, o povo latino — com ênfase nos mexicanos — tem o seu próprio super-herói. Durante as duas 2h07min de projeção, o filme deixa bem estabelecido o seu posicionamento, criticando o sistema capitalista norte-americano e como ele é um dos grandes vilões para aqueles que não são os donos dos meios de produção — sobra até para o Batman, que é chamado de "fascista".
Ao mergulhar mais na família de Jaime, a produção vai apresentando elementos que enriquecem aqueles personagens e reforçam o contraste daquelas pessoas com o ambiente que está sendo construído ao redor. Temos, então, o desenvolvimento da paranoia antigovernamental do tio Rudy (George Lopez), o passado guerrilheiro da avó do protagonista, Nana (Adriana Barraza), e o descaso do sistema educacional norte-americano com Milagro (Belissa Escobedo). O elenco é majoritariamente formado por latinos ou descendentes, com a vilã Victoria Kord (Susan Sarandon) sendo estadunidense.
Mesmo com essas contundentes mensagens, o comando do porto-riquenho Angel Manuel Soto fica no limite entre o retrato de uma casa com amor e sustentação emocional com a imagem retratada em inúmeras produções que são recheadas de estereótipos latinos. O título chega a dar algumas derrapadas, mas para um produto norte-americano, desenvolvido dentro de uma gigante do audiovisual, que é a Warner Bros., o resultado até que é bem contundente — a cena da vovó Reyes metralhando os inimigos e gritando "abaixo o imperialismo!" exemplifica.
Brasil-sil-sil
Por último, mas não menos importante, Bruna Marquezine. Dando vida para a brasileira Jennifer "Jenny" Kord, filha de Ted Kord, o Besouro Azul original, a atriz tem um grande destaque em Besouro Azul, sendo uma das personagens com mais tempo de tela na produção. É algo a ser celebrado, uma vez que grandes estrelas daqui, ao estrearem em Hollywood, começaram com pequenas pontas, com poucas falas — ou nenhuma, como Rodrigo Santoro em As Panteras: Detonando (2003).
A jovem carioca defende bem o seu papel, com um inglês impecável e, ainda, proferindo, em um momento importante do filme, até uma frase em português. Caso Besouro Azul faça sucesso — o que é improvável, visto a saturação das produções de super-heróis —, Jenny Kord pode alçar voos ainda maiores dentro do novo universo cinematográfico da DC Comics. Vem aí a primeira super-heroína brasileira nas telas do cinema? Só o tempo dirá.
Recheado de referências a sucessos latino-americanos — de Chapolin Colorado (1973-1979) a Maria do Bairro (1995-1996) —, Besouro Azul passa a sua mensagem com um orçamento de US$ 120 milhões, considerado baixo dentro das produções do subgênero. Mesmo assim, entrega efeitos especiais melhores que The Flash (2023), por exemplo, fruto da mesma casa, que parece um filme inacabado. Assim, o título mostra que não é preciso de um caminhão de dinheiro e uma história mirabolante para funcionar. E o resultado é bem divertido.