Quando a gaúcha Valéria Barcellos, 43 anos, apareceu na telinha da TV Globo, fazendo sua estreia em Terra e Paixão na noite desta terça-feira (9), o Venezianos Pub Café, na Cidade Baixa, irrompeu em gritos e aplausos. Com drinks na mão, o público acompanhou a novela das 21h sentado na calçada e em pé na travessa, onde um projetor exibia, na parede do prédio ao lado, o segundo capítulo da trama.
O bar de Porto Alegre, onde Valéria Barcellos começou, promoveu um evento para celebrar a multiartista. A cada cena em que ela tornava a aparecer, o público acompanhava atentamente e vibrava com suas falas — como quando ela explicou que seu pronome era "ela".
— Trans como eu é sempre ela — ressaltou sua personagem, Luana Shine.
A audiência era composta por amigos de Valéria, admiradores e clientes que queriam conhecer a sensação da casa. Em comum entre as pessoas que compareceram estava o fato de que foram prestigiá-la. A artista também acompanhou o que acontecia no bar por meio de uma chamada de vídeo.
O baiano Danilo da Silva, 37 anos, conheceu a história de Valéria no Venezianos e achou "muito bonita". Ele e o companheiro Valnei Prevedello, 48 anos, foram ao bar nesta noite para vê-la na trama.
— Vou acompanhar (a novela). E acho muito forte uma trans ter visibilidade, como estão se abrindo as portas. As pessoas estão sendo mais flexíveis, mas tem de melhorar ainda mais, homofobia e preconceito têm de diminuir. É bom que a Rede Globo e outras emissoras estão batendo nisso e está havendo uma exposição de trans e LGBT+ — afirmou, desejando "muita sorte e muito axé" à artista.
Pouco antes de sua estreia, a atriz fez uma aparição para o público em uma ligação em vídeo com Clarice Decker, 51 anos. Com animação, a proprietária do "Venê" fez questão de mostrar a artista às pessoas que aguardavam o início de Terra e Paixão.
— A gente sente muito orgulho dela. O bar foi um grande incentivador, porque, na proposta, ele existe para ser um agregador de pessoas, então a gente fica muito feliz, porque a Valéria reconhece isso e tem uma memória afetiva muito positiva do bar, tanto é que sempre fala da gente. O que nos define é o orgulho — contou a proprietária do Venezianos.
A trajetória de Valéria iniciou no bar, quando a artista do Interior surgiu com um amigo para cantar no karaokê.
— Ela cantou uma música da Whitney Houston e veio todo mundo abaixo — recordou.
As duas começaram a trabalhar no bar por volta do mesmo período, em 2006. Na época, a proprietária era Vera Ardais, a fundadora do bar. Ela ficou impressionada com a potência de Valéria e a convidou para tocar ao vivo, passando, em seguida, a se tornar uma artista fixa. Ela ainda atendia pelo nome Valéria Houston.
— A gente se tornou grandes amigas. Nascemos no mesmo dia, mas ela é oito anos mais nova. Começamos a nos cuidar, eu sempre cuidei dela, protegi da forma que eu podia, até sendo como uma amiga mais velha. Sempre vi e admirava o talento e a força da Valéria, por toda a trajetória que ela já havia passado, o fato de ser negra e trans, é bem complicado — afirmou Clarice.
A atual proprietária do bar relembrou também as adversidades que a artista teve de enfrentar, como um câncer e a covid-19. Ao mesmo tempo, descreveu a amiga como um exemplo de superação: mesmo com as dificuldades, Valéria produziu bastante na pandemia, escreveu um livro e se engajou ainda mais na comunidade LGBT+. Além disso, "fez de tudo": participou de peças de teatro, cantou, dançou — e representou.
— Valéria é uma representação do público LGBT+. Ela mostra que a gente pode qualquer coisa, superar qualquer adversidade, para a diversidade. A gente se sente representada por ela, e ela faz questão de mostrar — destacou Clarice.
Para a ONG LGBT+ Outra Visão, cujos integrantes também se reuniram no bar para prestigiar a artista, Valéria é muito mais do que uma mulher negra e trans. A história dela se mistura à do Venezianos e à da própria ONG, com parcerias que atravessam os anos, como no evento da Visibilidade Lésbica. Além disso, o sucesso da gaúcha é "muito natural", devido aos multitalentos de Valéria, que vão muito além do canto, avaliou Priscila Leote, 39 anos, coordenadora da ONG:
— Ela é uma pessoa culta, inteligente. Sempre somou onde ninguém queria somar, isso também faz muita diferença. A gente está aqui hoje para celebrar um sucesso que sabia que teria, não é novidade, a gente sabia que os palcos de Porto Alegre eram muito pequenos para ela.