"Olho por olho, e o mundo acabará cego." A frase que circula pela internet há alguns anos, com autoria atribuída a diferentes personalidades — de Gandhi a Martin Luther King —, apesar de clichê, serve de esboço para a trama de Os Outros, série brasileira que estreia às 18h desta quarta (31) no Globoplay. Criada por Lucas Paraizo, que também assina as aclamadas Sob Pressão e Justiça, e dirigida por Luisa Lima e Lara Carmo, a produção reflete sobre uma das características mais dramáticas do Brasil atual: a intolerância.
A história é ambientada no Barra Diamond, um condomínio de classe média localizado na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. É lá que uma briga boba entre os adolescentes Marcinho (Antonio Haddad) e Rogerio (Paulo Mendes) detona um conflito acirrado entre os pais deles. À medida que a trama se desenrola, a rivalidade entre os casais Cibele (Adriana Esteves) e Amâncio (Thomás Aquino), pais de Marcinho, e Wando (Milhem Cortaz) e Mila (Maeve Jinkings), pais de Rogerio, toma proporções cada vez mais violentas — e inimagináveis, pois a surpresa promete ser uma das principais marcas da série.
Típicos "cidadãos de bem" — pertencentes à classe média, membros de uma família de núcleo heterossexual, com um emprego fixo e muita disposição para julgar o entorno —, os personagens centrais são acríticos em relação às próprias ações. Justificam todas as suas incivilidades com um estridente "o problema são os outros", frase que é propositalmente repetida em diferentes oportunidades por eles.
É um recurso de ironia. Isso porque, conforme Lucas Paraizo, a série é um convite a se olhar no espelho.
— Os sentimentos e as reações dos personagens são possíveis a qualquer um de nós, porque somos humanos e somos falíveis — opina o criador da série. — Eu morro de vergonha de dizer isso, mas percebi que seria capaz de fazer muitas das coisas que os personagens fazem, que estou sujeito a ter reações horríveis, reações que eu não gostaria de ter, mas que são uma consequência da sociedade doente em que vivemos. A série é um alerta para que a gente pare antes de cruzar o limite — explica.
A reflexão que o criador espera causar no público começou pelo elenco. Para Maeve Jinkings, que interpreta Mila, uma das mães do núcleo central, o roteiro assinado por Paraizo ao lado de Fernanda Torres, Flavio Araujo, Pedro Riguetti, Bárbara Duvivier, Thiago Dottori e Bruno Ribeiro foi quase como um soco no estômago.
— É muito fácil você começar a ler um roteiro desses, com tantos conflitos, com personagens que são tão dramáticos e extremos, e enxergar somente o outro — diz a atriz. — Mas é muito mais sobre a gente do que sobre os outros, todos nós estamos implicados nisso.
Milhem Cortaz, que interpreta Wando, marido da personagem de Maeve, diz que o papel de Os Outros foi o mais difícil que encarou nos últimos anos.
— O Wando é o protótipo do homem perfeito para a sociedade: luta pelos seus ideais, trabalha, provê as coisas da casa, tem um amor muito grande pelo filho e cuida da sua família de uma forma quase obcecada. Mas, conforme as coisas vão acontecendo na vida dele, ele vai abrindo mão dos seus sonhos, vai se ocultando e seguindo por um caminho de solidão profunda — adianta o ator. — Ele está ali para representar a solidão, pois o Brasil hoje se sente sozinho. Acho que esse recorte que a gente está fazendo da sociedade fala de muitas coisas, mas sobretudo de não conseguirmos nos encontrar no diálogo. E isso ocorre porque a gente está sozinho.
Apesar da urgência dos temas que aborda, substanciais para se pensar o Brasil recente, a série promete também entreter. O texto promove uma simbiose entre o drama e a comédia, mesclando sequências extremamente delicadas e angustiantes com momentos de alívio cômico, além de trazer à tela personagens dramáticos e figuras tão reconhecíveis que, de propósito, chegam a soar caricatas.
É algo que deve surpreender o público, conforme Drica Moraes. A atriz interpreta uma das personagens mais burlescas de Os Outros: Dona Lúcia, a síndica do Barra Diamond. Visando a manter seu antigo padrão de vida, perdido quando o marido, o empreiteiro Jorge (Guilherme Fontes), foi preso e teve seus bens bloqueados por corrupção, a perua desvia dinheiro do residencial, que é bem mais do que um simples espaço na trama.
— O condomínio onde os personagens vivem é um microcosmo dessa sociedade onde todo mundo teoricamente convive, mas cada um é uma ilha — explica Drica Moraes. — O Lucas e a Luísa propuseram uma grande plasticidade no roteiro, com algo que começa no cotidiano, vai tomando ares dramáticos, de repente é atravessado por um rastro de humor, mas pode se tornar trágico. Como linguagem, acho que o público pode esperar algo bastante original.
Outra personagem que será capaz de divertir os espectadores é Cibele, a mãe de Marcinho, interpretada por Adriana Esteves. Superprotetora, controladora e capaz de tudo pela segurança do filho, ela vive metendo os pés pelas mãos, conforme adianta a atriz.
— Tudo o que a Cibele faz achando que é o melhor, achando que vai dar certo, sai por um outro lugar. Poderia ser uma personagem cômica, porque ela tem tanta convicção de que o que está fazendo está certo, mas é tão gritante para os outros que está errado, que chega a ficar patético — afirma Adriana Esteves.
Com grande elenco — além dos atores e atrizes já citados, a série ainda traz nomes como Eduardo Sterblitch, Ana Flavia Calvancanti e Kênia Bárbara, entre outros — e um roteiro cheio de nuances, a produção tem tudo para ser um fenômeno. Apesar disso, Lucas Paraizo, que é também criador da longeva Sob Pressão, evita falar sobre a continuidade de Os Outros, deixando em aberto a possibilidade de a série ganhar mais temporadas.
— Se eu falo sobre o futuro, eu inviabilizo o presente — enfatiza. — Não faço nenhuma série pensando se ela vai fazer sucesso, pois tenho um envolvimento ético com o trabalho. É claro que o que faço é entretenimento, mas também quero fazer pensar, sentir, refletir e, quem sabe, transformar.
O primeiro episódio de Os Outros, que chega ao Globoplay às 18h desta quarta, fica aberto ao público até o dia 5 de junho. Os episódios seguintes terão acesso restrito a assinantes da plataforma e serão disponibilizados duas vezes na semana, sempre às quartas e sextas, até o dia 7 de julho.