Há uma espécie de fascínio comum entre as dezenas de postagens que se acumulam diariamente em um grupo no Facebook chamado Novelas Turcas Brasil. “Depois que conhecemos o mundo turco, outros mundos perdem o sentido”, escreveu uma integrante, cuja publicação recebeu centenas de curtidas e comentários em concordância.
As novelas turcas são um fenômeno no Brasil. Só nesse grupo, são quase 120 mil membros, em sua grande maioria mulheres. Pelas redes sociais e pelo streaming, elas assistem a folhetins produzidos do outro lado do mundo, em um idioma completamente diferente, que refletem uma cultura cuja origem é muito distinta da nossa. Mesmo assim, riem, preocupam-se, choram e sentem medo junto com seus personagens. A partir de dramas comuns, viajam a um mundo desconhecido.
— As séries turcas têm uma magia que eu não sei explicar — descreve Marci Max Kerlhy, 54 anos. — A gente entra, participa, quer juntar casais, e fica triste quando eles se separam — acrescenta.
Assim como muitas fãs, Marci se apaixonou pelo gênero quase instantaneamente, em 2017. Foram 48 horas sem dormir, maratonando a novela Kurt Seyit ve Şura (que não tem tradução oficial para o português).
— Eu entrei naquela série como se eu estivesse vivendo aquilo com os personagens. Foi passando a minha vida — recorda a advogada, que hoje administra quatro grupos e uma página sobre novelas turcas no Facebook, além de perfis no Instagram e no Twitter.
Diferentemente das produções brasileiras, as da Turquia são melodramas mais clássicos, baseados em questões morais. As tramas são leves, instigantes, e apostam principalmente em conflitos amorosos e familiares, e não em problemas sociais contemporâneos, como tem ocorrido no Brasil. Na televisão turca, temas como fake news, crimes, drogas e discriminações costumam aparecer de forma mais sutil.
— As nossas produções são melhores, mais sofisticadas, criativas e realistas — explica a fã Saralice Parise, 54. — Mas as deles são mais românticas e de cunho mais intimista, mais dramas psicológicos — pondera.
Outra diferença das novelas turcas em relação às brasileiras é que os relacionamentos amorosos são mostrados de forma mais romântica.
— Não tem cenas de sexo e nem beijos. O clima é feito só pelos olhares — ilustra Saralice.
Fãs em rede
Apesar de terem sido exibidas no Brasil pela Band, em 2015, as novelas turcas começaram a fazer sucesso mesmo durante a pandemia. Usando a ferramenta Google Trends, é possível ver que o termo “novelas turcas” teve um pico de pesquisas na plataforma brasileira a partir de agosto de 2021, período que coincide com a popularização de aplicativos de vídeo como Kwai e o TikTok.
Nessas redes, começaram a circular trechos das novelas e, com isso, grupos de compartilhamento foram crescendo e se tornando mais ativos. Hoje em dia, para se ter ideia, alguns fãs brasileiros se organizam para criar legendas tão logo os capítulos são lançados na Turquia — são os chamados legenders, que trabalham de forma voluntária e colaborativa.
— As meninas adoram as legenders. Porque tem cenas que, junto com as legendas, elas vão lá e jogam uma piada, uma frase de efeito, uma carinha... e isso faz a gente interagir tanto com a série quanto com elas — diz Marci.
Não havendo tradução, há quem assista às novelas dubladas em espanhol, ou em turco mesmo.
— Mesmo sem legendas, eles conseguem transmitir as emoções — conta Elza de Souza, 57, que assistiu a Pássaro Madrugador no Facebook, sem legendas e sem dublagem.
Agora, o público pode contar com mais opções dubladas em português. Percebendo que havia um nicho engajado nas redes sociais, as plataformas de streaming brasileiras começaram a investir em títulos turcos. Primeiro, foi a HBO Max e, depois, a Netflix, a Amazon Prime Video e o Globoplay.
No serviço da Globo, Mãe se tornou a produção estrangeira licenciada mais assistida nos primeiros 14 dias depois da disponibilização, em janeiro deste ano. Logo depois, entrou Amor e Honra e, até o fim de 2023, a plataforma já anunciou que irá contar com mais mais cinco novelas do tipo em seu catálogo.
As razões para o fascínio
Mas, afinal, o que explica o boom das novelas turcas no Brasil? Para Clarice Greco, professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Paulista (Unip) e autora do livro Virou Cult: Telenovela, Nostalgia e Fãs (Jogo de Palavras), os espectadores encontram no gênero uma espécie de “fuga da realidade” através da nostalgia, já que os melodramas eram muito populares nos anos 1980 e 1990 — tanto em produções brasileiras, quanto mexicanas.
— O cenário político do Brasil nos últimos anos configura uma crise política, social, econômica, com a pandemia junto. E esse cenário é menos compatível com uma telenovela com muitos conflitos e temas pesados — pontua.
Outra questão é que, apesar de terem origens diferentes, as culturas do Brasil e da Turquia são semelhantes em alguns aspectos. Conforme apontou Burhan Gun, presidente da Associação dos Produtores de Cinema e TV da Turquia, em entrevista à BBC, os turcos compartilham com os latino-americanos uma moralidade social voltada à família, ao mesmo tempo em que enfrentam desafios em comum, como a urbanização e a migração campo-cidade, que muitas vezes aparecem nas tramas das novelas.
Além disso, os dramas da TV turca refletem um estilo de vida que é objeto de ambição para a classe média brasileira. Na série Amor e Honra, por exemplo, os protagonistas são jovens e despojados, e circulam por ambientes tecnológicos e visualmente atraentes. Esses cenários, conforme explicou o professor da Universidade de Sheffield Omar Al-Ghazzi, especialista em cultura popular turca, também à BBC, "oferecem uma modernidade sedutora" — ou, afinal, o tal fascínio.
— Eles mostram ideias muito vendáveis sobre uma vida confortável de classe média que é acessível e culturalmente relevante para muitas pessoas.
*Produção: Mariana Barcellos