A ridícula ideia de morrer antes mesmo da sua vida ter começado é tema de duas obras juvenis que estrearam na Netflix nas últimas semanas. Uma delas é Boo, Bitch, produção original da companhia e atualmente no ranking de séries mais assistidas na plataforma no Brasil; a outra é o longa-metragem Espontânea, que, após uma estreia tímida durante a pandemia de covid-19, chegou em junho ao serviço de streaming.
Ambos os títulos partem de premissas que parecem o início de um filme de terror: em Boo, Bitch, Erika (Lana Condor) está sobrevivendo aos últimos dias do Ensino Médio se mantendo longe dos holofotes, quando decide que é hora de abandonar a atitude reservada com a vida e "começar a viver". Logo depois de sua primeira festa, contudo, ela acorda de ressaca apenas para descobrir que morreu durante a noite e é agora um fantasma. O pequeno incidente não impede que outras pessoas continuem a vendo, ouvindo e sentindo, e só sua melhor amiga, Gia (Zoe Margaret Colletti), sabe a verdade. Para não ficar presa em um limbo por toda a eternidade, a protagonista precisa encontrar paz concluindo todas as suas pendências terrestres - antes que seu corpo comece a se decompor.
As coisas são ainda mais abruptas em Espontânea, que segue os passos de Mara (Katherine Langford), também contando os dias para a sua formatura. Os seus momentos finais no Ensino Médio são brutalmente interrompidos, contudo, quando estudantes de sua turma simplesmente começam a explodir. Não há nenhum aviso, sinal ou explicação: em um momento eles estão estudando, jogando futebol, falando e, então, plaft! - se desmancham em uma explosão de sangue e ossos. E ninguém sabe quem será o próximo ou quando isso vai acabar.
Confira o trailer de Espontânea
Agridoce
Diante da cruel aleatoriedade da morte (e de mortes inacreditavelmente precoces), Erika e Mara não respondem com desespero e lágrimas, mas com um curioso humor sardônico que parece definir a chamada "gen z": a geração dos anos 2000, que cresceu em um mundo marcado por crises econômicas, ambientais, pandêmicas e que nem por tudo isso perde a oportunidade de fazer piadas sobre qualquer situação.
Assim, pelo menos no início, ambas produções estão mais para comédias do que para dramas. Em Boo, Bitch, Erika conclui que seu assunto pendente é Jake C. (Mason Versaw), por quem ela teve, por anos, um crush secreto. Incentivada pela possibilidade de nunca encontrar a paz eterna e pelo sentimento de já não ter nada a perder, ela cria coragem para engatar um romance com o rapaz.
Algo similar ocorre com Mara, que se aproxima de Dylan (Charlie Plummer) após a primeira morte explosiva em sua escola. Conscientes de que a qualquer momento um deles pode "estourar como um balão", os dois aproveitam a vida que lhes restou como qualquer outro casal adolescente, com hormônios à flor da pele.
Neste contexto, há clichês o suficiente entre os dois títulos para agradar fãs de obras sobre o high school dos EUA, de bailes de formatura a meninas malvadas. Mas tampouco faltam elementos de terror, com banhos de sangue e encontros em cemitérios.
- Você não está apenas assistindo ao seu filme de John Hughes e não está assistindo ao seu filme de terror. É realmente um tipo estranho de bastardo no meio - brincou o diretor de Espontânea, Brian Duffield, em entrevista ao site do SYFY.
Apesar da comparação, há uma outra camada no filme que o diferencia fundamentalmente de produções como The Breakfast Club ou Curtindo a Vida Adoidado, para além do sangue ou dos gritos. Porque, somado às incertezas clássicas da juventude que esses longas abordam, Espontânea (e Boo, Bitch, em menor escala) traz questões sobre os impactos das perdas e do luto na história de qualquer ser humano e o grande trauma que é ver morrer alguém que nem começou a viver ainda.
Agridoces, devido à própria natureza do assunto que se propõem a cobrir, as duas estreias chegam a conclusões similares: é possível dizer que "life's a bitch and then you die" (a vida é uma vaca, e então você morre), como destaca o primeiro episódio de Boo, Bitch, mas, no meio tempo, há sim coisas pelas quais vale a pena estar vivo.
Confira o trailer de Boo, Bitch