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Protagonistas de Seinfeld, Jerry, George, Elaine e Kramer estão em Porto Alegre. E não foi porque Kramer resolveu tentar a sorte em um filme de Jorge Furtado ou porque George ficou tão obcecado a ponto de desembarcar no Salgado Filho somente para responder ao insulto de um ex-colega de trabalho que mudou-se para cá. Eles realmente moram aqui. Pelo menos, dentro do universo criado pelo perfil no Twitter Seinfeld Poa, que imagina como seria a vida dos protagonistas da sitcom se eles vivessem na capital gaúcha.
Quem está por trás da realidade paralela é o antropólogo porto-alegrense Felipe Schifino, 30 anos. Fã da série há pelo menos uma década, ele idealizou o perfil ainda em 2016, mas parou de alimentá-lo por um tempo e depois, quando decidiu voltar, notou que havia esquecido a senha — um desfecho quase "seinfeldiano". No final do ano passado, depois de muitas tentativas sem sucesso de recuperar a conta antiga, criou uma nova página para reportar as aventuras do quarteto do lado de cá da ponte do Guaíba.
A retomada veio quando Felipe mudou de bairro e deparou com uma Porto Alegre que lhe era estranha. Sentindo ser uma espécie de turista na própria terra natal, decidiu reiniciar o projeto, pois assim talvez pudesse ficar mais conectado com a cidade, suas histórias e seus personagens particulares.
— Essa sensação de estar deslocado dentro da cidade onde sempre morei era muito estranha. Mas quando estou escrevendo o Seinfeld Poa, é como se estivesse fazendo uma crônica de Porto Alegre. É claro que não é aquela crônica nível Luis Fernando Verissimo, é uma crônica de muito menos qualidade (risos). Mas tem uma característica de crônica e me parece que isso, naquele momento, me jogava mais perto de Porto Alegre — lembra.
Por sinal, ele considera a nova página bem melhor do que a anterior, mesmo que igualmente fale "sobre nada". Isso porque, assim como Seinfeld ganhou fama de ser "uma série sobre nada", cujo único enredo é seguir a vida de quatro amigos nas situações mais cotidianas possíveis (tipo aguardar pela entrada em um restaurante ou levar roupas à lavanderia), Seinfeld Poa também é sobre nada. Só que em Porto Alegre.
A lavanderia, então, certamente será alguma filial da Lav & Lev. Já a espera para entrar no restaurante poderia ser na quilométrica fila do buffet da Lancheria do Parque ou, em dias de vacas gordas, no badalado Outback do Shopping Iguatemi. A principal premissa da página é esta: recriar situações presentes na série, adaptando-as para o universo da capital gaúcha. Mas há também invenções que jamais apareceram na sitcom, baseadas somente no cotidiano da cidade.
É o caso da fictícia ida do quarteto à Noite dos Museus, narrada em uma thread que figura entre as publicações com o maior número de interações do perfil. Nela, Jerry, George, Elaine e Kramer presenciam clássicos do evento local: a tranqueira para chegar ao Centro, o frio amenizado por um copinho de isopor fervilhando de quentão, as filas, uma parcela do público que comparece somente para tirar fotos e fazer bonito no Instagram, sem nenhum interesse em de fato conferir uma exposição, a Polar vendida sem a devida refrigeração por algum vendedor ambulante despreparado e, para fechar, um assalto na volta a pé para casa, pois o transporte por aplicativo estava muito caro.
O trabalho de criação toma por base as características mais marcantes de cada um dos personagens da série. Jerry (Jerry Seinfeld), um boy lixo de primeira linha que sempre encontra uma desculpa esfarrapada para terminar seus relacionamentos; George (Jason Alexander), um cara inseguro que necessita da aprovação alheia para fazer qualquer coisa; Elaine (Julia Louis-Dreyfus), uma feminista de classe média tão evoluída em alguns aspectos quanto preconceituosa em outros; e Kramer (Michael Richards), o maior trambiqueiro do pedaço, sempre com uma ideia duvidosa para um novo negócio na ponta da língua.
O exercício, então, é imaginar em que espécie de situação cada um deles se meteria tendo as personalidades que têm, se fossem todos típicos porto-alegrenses.
— Os personagens de Seinfeld são quase arquétipos, então é muito fácil pegar alguns elementos deles e trazê-los para cá. Por exemplo, se eu transpor o Kramer para Porto Alegre, ele vai continuar tendo ideias estúpidas. Mas o que eu acho engraçado é que o Kramer tem ideias muito estúpidas em Porto Alegre e as ideias estúpidas dele normalmente dão certo aqui — comenta o criador.
Uma delas, Felipe imaginou sendo defendida pelo personagem no South Summit, feira de inovação que agitou a cidade durante o mês de maio. Kramer, na narrativa criada por ele, foi ao evento para apresentar aos investidores sua ideia de uma pizzaria na qual os próprios clientes fazem suas pizzas. E foi ovacionado pelo público da feira, que classificou como "revolucionária" a proposta que, na visão do antropólogo, "é o neoliberalismo mais extremado possível" — vale lembrar que o personagem realmente teve este insight na primeira temporada da série, mas sem South Summit para validá-lo.
Nesse sentido, Seinfeld Poa serve também como uma crítica bem-humorada às contradições da cidade e à elite porto-alegrense que, segundo o perfil, seria capaz de pagar uma fortuna pelo lodo do espelho d'água da Redenção, se este fosse vendido na Padre Chagas sob a alcunha de lama rejuvenescedora — outra ideia mirabolante de Kramer imaginada pela página. Os próprios personagens representam bem essa caricatura. Assim como os originais, as versões porto-alegrenses são jovens adultos de classe média que se veem como descolados e progressistas, quando na verdade também não enxergam muito além do próprio quintal.
— Esse "Poa" do Seinfeld Poa é uma generalização, pois não é toda a cidade que está ali representada, e isso tem a ver com a própria série. Seinfeld é uma série que se passa naquela Nova York de Manhattan e o Seinfeld Poa se passa no que seria essa região Bom Fim / Cidade Baixa / Centro, que é uma região de classe média. Uma das coisas que eu ridicularizo é justamente esse tipo de existência medíocre, de transitar só por uma parte muito pequena da cidade. E os personagens que eu crio transitam por esse eixo aí, onde tem os rolês da galera descolada, da galera de classe média — explica Felipe.
É por isso que o criador tem se divertido tanto ao alimentar a página. Para ele, é cômico perceber as contradições da cidade que, por vezes, parecem realmente saídas de uma sitcom.
Sem saber bem se pela veia de antropólogo ou por pura diversão, Felipe diz que já direciona seu olhar em busca de situações que poderiam virar narrativa do Seinfeld Poa naquilo que vê, que escuta e que vive em Porto Alegre. E vai gravando tudo em notas de áudio no celular, que depois são transcritas para o arquivo em que ele guarda centenas de tuítes que aguardam a vez de serem publicados na página.
A intenção é seguir publicando enquanto continuar sendo divertido (ou enquanto não perder a senha novamente, quem sabe). Mas o gaúcho não tem ambição de explodir o número de seguidores ou algo do tipo, apesar de achar o retorno das pessoas uma forma de validação interessante.
— É legal que alguma coisa que eu escrevo esteja circulando, ainda mais neste momento em que tudo que tem um caráter mais cultural acaba sendo alvo de perseguições — diz. — Crescer na rede social, virar um influencer e uma subcelebridade porto-alegrense não é uma coisa que me atrai muito. Mas, claro, se alguém quiser me convidar para roteirizar uma sitcom passada em Porto Alegre, ou pelo menos dar uns pitacos, já sabem as minhas arrobas nas redes sociais. Falo isso brincando, mas a "tentiada" é livre — diverte-se Felipe, que também publica textos autorais na plataforma medium.
Seinfeld
- A série foi criada em 1989 por Jerry Seinfeld, que interpreta o personagem homônimo, e Larry David, que inspirou o personagem George.
- As nove temporadas da sitcom estão disponíveis no catálogo da Netflix.