Dos 70 anos anos da teledramaturgia brasileira — ela começou em 1951, com a novela Sua Vida me Pertence, da extinta TV Tupi —, boa parte deles contaram com Paulo José e Tarcísio Meira, ambos com mais de cinco décadas de carreira. A dupla de artistas, que faleceu com menos de 24 horas de diferença, teve uma trajetória marcante na televisão e, em alguns momentos, as suas histórias se cruzaram.
Além de terem dividido a cena em diversos projetos, como Um Anjo Caiu do Céu (2001), em que o personagem de Paulo José diz para o de Tarcísio Meira a frase "Um dia nos veremos no céu", cena que está comovendo a internet, os dois foram fundamentais para uma produção muito querida pelos gaúchos: a minissérie O Tempo e o Vento (1985), baseada na obra de Erico Verissimo.
No programa, o gaúcho Paulo José acumulou as funções de diretor, diretor geral e ator — ele viveu o maragato Alvarino Amaral na última das quatro partes do seriado. Já Tarcísio Meira interpretou o icônico Capitão Rodrigo Cambará na segunda fase da atração. Por estarem em diferentes recortes históricos, eles não chegaram a atuar juntos na produção, mas Paulo dirigiu o colega em todas as suas cenas.
O Capitão Rodrigo
Tarcísio, grande admirador da obra de Verissimo, havia topado viver o Capitão Rodrigo em uma produção que seria rodada em 1980, escrita por Manoel Carlos e dirigida por Paulo José, em comemoração aos 15 anos da TV Globo. O projeto, no entanto, foi cancelado. Cinco anos mais tarde, a ideia ressurgiu, com outros roteiristas, mas com Paulo ainda no comando.
Aos 50 anos, Tarcísio foi novamente chamado para viver o personagem, mas achou que já havia passado da idade de interpretar um dos mais marcantes personagens de O Tempo e o Vento. De acordo com o projeto Memória Globo, Daniel Filho, supervisor da minissérie, contou que outro ator chegou a gravar cenas como Rodrigo Cambará, mas que era impossível imaginar outro intérprete para o boêmio que não fosse Tarcísio Meira, que acabou aceitando viver o icônico capitão.
— Eu sempre gostei muito do Erico Verissimo. Lia tudo dele, devorava. Uma vez, fui a Porto Alegre e quis conhecê-lo. Ele me recebeu muito bem, muito gentil, muito atencioso. Nunca pensei que fosse fazer um personagem dele — contou Tarcísio Meira, emocionado, ao Vídeo Show, em 2018.
Ao aceitar fazer o personagem, o ator também enfrentou o desafio de não contar com algumas das características mais marcantes do capitão: a sua paixão pela música, tocando violão e cantando. Mesmo assim, ele entregou um Rodrigo Cambará elogiadíssimo pela crítica especializada e pelos gaúchos.
— Tem uma grande responsabilidade de você fazer o Capitão Rodrigo e não ser gaúcho. Ele é um herói. As pessoas do Sul me falavam: "Tu vais mesmo fazer o Capitão Rodrigo?". E eu dizia: "Eu vou". Aí elas falavam: "Olha aí, hein, rapaz, tens que ser muito macho para fazer o Capitão Rodrigo". Eu dizia: "Eu sou". Me ameaçavam — brincou Tarcísio Meira em um minidocumentário feito para o Memória Globo.
— Ele era o máximo. Eu sempre falo que ele era o homem que todo homem gostaria de ser e toda a mulher gostaria de ter. Ele era um super-homem, uma simpatia, uma alegria, um poder muito grande — enfatizou o ator ao Vídeo Show.
Grandiosidade da obra
— O Tempo e o Vento ficou meio sacrificado pelo excesso de histórias. Tinha 80 atores principais. Ficou meio complicado. Mas, depois que dividiu, eu assisto ainda hoje, ainda é bem-visto fora, passa na TV Futura, comentado. É simpático, é gostoso de ver. Tá lá, tá vivo ali, as pessoas assistem até hoje — contou o diretor Paulo José em entrevista ao projeto Memória Globo.
A produção da TV Globo de O Tempo e o Vento foi a maior e mais ousada da empresa até então. Além do alto investimento financeiro, a minissérie contou com cerca de cem personagens, quase seis mil figurantes, teve aproximadamente mil cenas e mais de 60% de suas sequências gravadas ao ar livre. No total, foram quase cinco mil pessoas envolvidas no projeto durante todas as suas etapas, que resultaram em 25 episódios.
A minissérie, que comemorava os 20 anos da emissora, adaptou a primeira parte da trilogia de Veríssimo, O Continente, contemplando mais de cem anos do Rio Grande do Sul, de 1777 a 1895. Na obra, inúmeras cenas grandiosas de batalhas pontuavam a narrativa.
Além de uma cidade cenográfica que foi construída em uma área de 40 mil metros quadrados, em Pedra de Guaratiba, no Rio de Janeiro, a minissérie teve cenas externas gravadas em fazendas no Rio Grande do Sul, nos municípios de Guaíba, Camaquã, Osório, São Miguel das Missões e Morungava.
A produção foi exibida originalmente de 22 de abril a 31 de maio de 1985, no horário das 22h. Depois disso, a minissérie foi reapresentada três vezes: em março de 1986; em junho de 1991, no Vale a Pena Ver de Novo – quando foi levada ao ar uma versão compactada em 10 capítulos, somente com as histórias do Capitão Rodrigo e Ana Terra; e entre 3 e 27 de janeiro de 1995, em 16 capítulos, em homenagem aos 30 anos da TV Globo.