Um helicóptero laranja corta o céu azul de um campo verde nas redondezas de Guaíba, na Região Metropolitana. Pousa. Dois homens com cara de poucos amigos descem prontos para resolver qualquer parada, até que o celular de um deles toca.
— Alô? Continua me ameaçando que eu vou te matar, fazer picadinho e dar para os meus cachorros comerem! — exclama Rick, um dos dois vilões que acabam de desembarcar, interpretado por Edson Celulari.
Pode até ser que a frase pareça tensa, mas o clima é de pura descontração no set da segunda temporada da série Chuteira Preta, que teve suas gravações finalizadas neste fim de semana no Rio Grande do Sul.
Na sexta-feira (27), quando a reportagem de GZH esteve em Guaíba, o cineasta gaúcho Paulo Nascimento dava os retoques no momento em que o time de vilões da fase inédita se encontra em uma fazenda, onde é ambientada boa parte da trama. Ali, uma família poderosa de russos usa um campo de futebol clandestino para seguir com seu esquema de apostas, durante a pandemia, apesar das regras sanitárias vigentes no Brasil.
Quem sofre com o negócio ilegal é Kadu, o protagonista interpretado por Márcio Kieling. O jogador de futebol, que passou a primeira temporada superando a depressão após perder um pênalti numa final de campeonato, vai conseguir se afundar ainda mais. Devendo uma grana para os russos, ele será obrigado a participar das partidas a fim de quitar sua dívida.
— Por mais que a barra tenha ficado pior, ele resolveu bater de frente com a vida. Kadu realmente muda de postura, já que está mais focado em resolver os problemas do que fugir deles — diz Kieling, que foi jogador de futebol na década de 1980.
Quem cobra a dívida de Kadu é um trio de vilões inusitado liderado por Iuri (Odilon Wagner). O ator teve sua vida pessoal aproveitada pela produção: ele é neto de russos e arriscou frases no idioma em algumas cenas.
— Todos os meus personagens, ao longo desses anos todos, acabam se misturando, mas é gostoso quando tem uma outra língua para apresentar. O russo tem uma métrica diferente, e a composição do Iuri foi em cima de como ele constrói as frases — destaca Wagner.
Inspiração
Ambientada durante a pandemia, a trama de Chuteira Preta tem uma preocupação em ser entretenimento de qualidade. De acordo com Nascimento, que divide a direção com Luiz Alberto Cassol, o texto reflete uma mudança no consumo de séries nos últimos três anos. Entre as inspirações, estão os thrillers Fargo e Ozark, com uma pitada de Tarantino.
— Vamos para o lado de uma violência que, mesmo que seja real, é tão fora do comum que é difícil de acreditar. Optamos por ir mais para esse lado da dark comedy, então acaba sendo engraçado — garante Nascimento, também responsável pelo roteiro, ao lado de Gilberto Perin e Tailor Diniz.
Para Celulari, além de viver um personagem diferente dos tradicionais galãs de novela, Rick foi uma chance de ter sua esposa na vida real, Karin Roepke, como comparsa na ficção. O casal protagonista do clássico ...E o Vento Levou foi uma inspiração.
— É um beijo e um tiro (risos) — diverte-se Celulari. — Foi delicioso gravar com a Karin porque poucos valem alguma coisa nesta história (risos). Os dois personagens agem por puro interesse e há um cinismo entre eles que é inacreditável.
A fase inédita de Chuteira Preta também teve cenas rodadas em Porto Alegre, na Ilha das Flores, em Jaguarão e no Uruguai. Todo o elenco — formado ainda por nomes como Kadu Moliterno, Marcos Breda, Zé Victor Castiel e a estreante Sofia Cordeiro, ex-The Voice Kids 2018 — concorda que a trama é pesada. Mesmo assim, acreditam que o público ficará grudado diante da tela em seus 10 episódios, que devem ser lançados em julho do ano que vem no canal Prime Box Brazil e, posteriormente, no streaming.
— Eu até questionei o Marcio (Kieling): “Não tem gente boa nessa série?”. Ele me disse: “Ninguém” (risos) — conta Moliterno. — Chuteira Preta traz bem o que está acontecendo hoje, não é nada água com açúcar, e enveredou por um caminho que vai prender todo mundo.