Diante das incertezas provocadas pela pandemia e a recomendação de seguir o distanciamento social, uma boa válvula de escape é a arte e a criatividade. Com cada um em sua casa, uma grande equipe de atores, diretores, roteiristas e técnicos, entre outros profissionais, foi mobilizada a partir de uma proposta do cineasta Jorge Furtado. O resultado pode ser visto a partir desta terça-feira (8), às 22h45min, na RBS TV, com a estreia de Amor e Sorte, série com quatro episódios produzida remotamente e estrelada por duplas que estão convivendo nas mesmas casas durante esse período.
— É isso de enfrentar juntos, nos conhecendo melhor em nossas casas. Não tem o vou ali e já volto, semana que vem estou fora. É todo o tempo junto. Isso necessariamente faz que a gente aprenda sobre nós mesmos e sobre o outro — explica Furtado, que, além da criação, assina também a supervisão de texto da série.
Amor e Sorte seguiu em sua produção um rigoroso protocolo de segurança elaborado pela Globo. Os próprios atores e seus familiares ficaram encarregadas da captação das imagens, figurinos, maquiagem e ajustes no set. A cada semana, os espectadores poderão conhecer as histórias protagonizadas por nomes como Fernanda Montenegro e Fernanda Torres; Taís Araujo e Lázaro Ramos; Fabiula Nascimento e Emilio Dantas; e Luisa Arraes e Caio Blat. Saiba mais sobre cada um dos episódios.
Gilda e Lúcia – 8 de setembro
Quatro meses de isolamento ajudaram Fernanda Montenegro e seus familiares a conviver de forma mais intensa e íntima. A atriz, sua filha Fernanda Torres e o genro Andrucha Waddington, responsável pela direção do episódio, se acomodaram em uma casa na região serrana do Rio de Janeiro para gravar o episódio de estreia de Amor e Sorte, Gilda e Lúcia.
Na trama, Lúcia decide viajar com sua mãe, Gilda, rumo a um sítio em região isolada, para se protegerem do coronavírus. Mas a convivência forçada, depois de muitos anos sem contato direto, reabre antigas feridas do passado.
— Tínhamos esse princípio, que essa relação era conflituosa. A gente sabia que tinham feridas abertas nessa relação, mas tínhamos que descobrir que feridas eram essas. Foi a parte mais saborosa, escavar quem eram essas duas pessoas e que conflitos iriam acontecer nessa convivência forçada dentro de um sítio — explica o roteirista Chico Mattoso, que divide a construção do enredo com Antonio Prata e Fernanda Torres.
Mesmo ao saber da descoberta de uma vacina, Gilda esconderá a informação da filha, porque está gostando da convivência. Segundo Fernanda Torres, mãe e filha se viram muito nas personagens, para além da ficção:
— Vimos o quanto a natureza muda as duas, acalma, é um pedaço da gente ali. Tem uma cena em que comemos peito de galinha com as mãos e oferecemos uma para a outra. É muito da nossa intimidade real isso. No fim, foi uma grande homenagem a esse momento de união.
Aos 90 anos, Fernanda Montenegro conta que ficou emocionada com a possibilidade de reunir os familiares em um mesmo projeto:
— A gente tem os filhos da gente, mas uma hora eles vão para suas vidas, tomam seus rumos, se juntam a outras pessoas, de outras culturas, outras origens, e formam um novo núcleo. E aquele núcleo original, de onde a pessoa saiu, fica ali. E se respeita muito o que cada um segue na vida. Mas lá nos encontramos de uma forma muito amorosa, essencial, muito humana. Tem um pouco disso no nosso episódio.
Linha de Raciocínio – 15 de setembro
Um casal confinado que, ao divergir sobre uma questão ideológica, parte para uma grande discussão turbinada por nervos à flor da pele. Esta é a essência do segundo capítulo, escrito por Alexandre Machado, em seu primeiro trabalho após a morte de sua esposa e parceira, Fernanda Young, em agosto do ano passado.
— Estamos naquele momento em que conseguimos fazer piada com o isolamento, então já começamos a superar esse trauma. Rir de nós mesmos, até em situações extremas como essa. Vai ficar em nossas memórias para sempre — acredita Machado.
Para estrelar Linha de Raciocínio, Furtado convidou Taís Araujo e Lázaro Ramos, casados há 15 anos. Com direção artística de Patrícia Pedrosa, o episódio foi gravado entre cinco da tarde e uma da manhã. A ideia era aproveitar o silêncio da casa e pelo horário noturno se encaixar no espírito da trama, mais densa do que as demais da série. E o turno facilitou a organização da rotina familiar junto aos filhos João, nove anos, e Maria Antônia, cinco.
— Eu e a Taís somos muito diferentes, mas trazemos equilíbrio um ao outro em momentos fundamentais. Se um está fraquejando, a nossa sorte é que o outro sempre consegue ajudar. É a grande sorte que contamina nosso amor — destaca Lázaro.
Para Taís, o marido encarou bem a situação, por ser mais sereno. Ela diz que ficava surpresa com a capacidade de organização dele, o quanto conseguia marcar aulas online e organizar rotinas. A ansiedade, no fim, foi controlada graças às gravações.
— Foi a virada do nosso humor, o trabalho é cura para a gente. Não tenho dúvidas do quanto a arte tem esse poder — reflete Taís.
E a história refletiu, coincidentemente, o sentimento de Taís nos primeiros dias de pandemia.
— É uma montanha-russa de emoções e eu estava igual à personagem, fiquei encantada. E pude exercitar tudo, desde um drama profundo a um pouco de comédia — conta a atriz, que já retomou as gravações de Amor de Mãe, novela das nove que deve voltar à programação em 2021.
Territórios – 22 de setembro
Protagonistas do terceiro episódio, Fabiula Nascimento e Emilio Dantas vivem um casal que decide se separar na noite anterior de uma viagem dele a trabalho. Mas, na manhã seguinte, ele é surpreendido pelo cancelamento do voo e do evento do qual participaria. A situação fica complexa quando a esposa fica doente, com suspeita de ter contraído a covid-19. Apesar da crise no relacionamento, os dois são obrigados a ficar juntos.
— Claro que a gente queria que fosse o mais engraçado, o mais leve, o mais agradável de ver, com humor. Mas também tinha uma emoção ali. Pensar com leveza esse casal da ficção ensinou muito pra gente — conta Adriana Falcão, que assina o texto junto com Jô Abdu.
Para Jorge Furtado, a equipe ajudou muito em todo o processo.
— Existe um tipo de diretor e criador que tira o melhor das pessoas. Eu sempre convido as melhores pessoas (risos). Quando surgiu essa ideia, pensei em chamar a turma que sei que não tem erro. Já trabalhei muito junto com a Adriana e a Jô. Aí a gente começou a se divertir — recorda Furtado.
O próprio elenco ajudou a construir o enredo de Territórios. As autoras fizeram questão de explorar os talentos de Emilio e Fabiula e também dos três cachorros que o casal tem em casa.
— O Emilio que é o grande pintor, musicista, tudo... Na ficção a gente trocou, eu que sou a grande artista da casa. A gente pintou uma grande tela e tivemos total liberdade de colocar a nossa impressão — conta Fabiula.
Além de trabalhar junto, o casal destaca que a quarentena reforçou o conhecimento um do outro – eles estão juntos desde dezembro de 2016.
— Estamos muito mais abertos para conversar. A maior dificuldade é a gente tentar lembrar o cérebro que não estamos em condições normais da vida. A gente não pode se cobrar nenhum tipo de coerência, responsabilidade, crítica, dúvida, medo, o que quer que seja, de uma forma normal — destaca Dantas.
A Beleza Salvará o Mundo – 29 de setembro
O capítulo final de Amor e Sorte faz uma homenagem ao cinema. Tudo começa com um casal recente se conhecendo melhor no primeiro final de semana da quarentena. Sem poder sair de casa, os dois decidem fazer um filme: Blat vive Manoel, engenheiro químico aspirante a cineasta, enquanto Luisa interpreta a atriz Teresa.
— A grande mensagem desse episódio é que ciência e arte, juntas, podem salvar o mundo. É uma comédia romântica deste casal quarentenado, que vai descobrindo junto como é fazer cinema, querendo resolver todos os problemas da humanidade dentro do seu pequeno universo — define Jorge Furtado, que escreveu esse episódio em parceria com Luisa e Caio.
As primeiras impressões dos personagens um sobre o outro vão mudando com o avanço da história. Essa descoberta é permeada pela produção do pequeno filme do casal, que prevê homenagens a títulos conhecidos do público, como Psicose, Titanic, Cidade de Deus e Cantando na Chuva.
— A gente teve que inventar luz, traquitanas, para que desse certo. Estudamos muito a história do cinema e exploramos diversos gêneros, como cinema mudo, romance, documentário e terror. Eles ficam se perguntando sobre o gênero do filme que estão fazendo, porque querem que reflita o que eles estão passando naquele momento — explica Blat.
Como toda a produção se passa na casa de Luisa, a atriz conta que a experiência de Amor e Sorte serviu para sair da "zona de conforto", porque precisou abrir mão de sua privacidade.
— Foi muito radical. Cada um mora na sua casa. Eu e o Caio não vivemos juntos o tempo inteiro, mas filmando foi assim. Na hora da refeição, ficava eu e ele em um jantar romântico, e depois voltava toda a equipe, remotamente, no maior agito — lembra Luisa.
Toda a função de trabalhar com a parte técnica foi um "intensivão" de audiovisual para Luisa. Além de namorarem, os dois têm uma parceria de três anos no teatro. Para a diretora artística Patrícia Pedrosa, o casal deu muito certo na execução do projeto:
— Foi incrivelmente fácil gravar com a Luisa e o Caio porque eles sabem muito e são atores muito experientes. Isso foi fundamental para que o projeto desse certo. Eles sabem tudo, são diretores, autores, atores e ainda fazem uma câmera incrível. Desde o primeiro dia de teste, sabia que tudo daria certo. Dia após dia, os dois foram incansáveis.