A necessidade é a mãe da invenção. Essa frase impulsionou o cineasta gaúcho Jorge Furtado, em plena pandemia de coronavírus, a entrar em contato com roteiristas e atores que estivessem isolados juntos. O resultado de muita conversa e logística estará na série Amor e Sorte, com estreia prevista para o dia 8 de setembro, na RBS TV.
Um critério seguido à risca na produção da Globo foi a segurança total dos atores, que deveriam fazer tudo por conta própria. Casados há 15 anos, Taís Araújo e Lázaro Ramos toparam entrar no projeto, que tem direção artística de Patrícia Pedrosa. Linha de Raciocínio, título do primeiro dos quatro capítulos que serão exibidos logo depois da novela das nove, é estrelado por Taís e Lázaro, diretamente de casa deles.
— Foi uma maneira de enfrentar, de forma artística, esse momento com uma mensagem positiva, no sentido de histórias que falam de hoje, pois não tinha como escapar disso, mesmo sendo um momento triste. É isso de enfrentar juntos, nos conhecendo melhor em nossas casas. Não tem o "vou ali e já volto", "semana que vem estou fora". É todo tempo junto. Isso necessariamente faz que a gente aprenda sobre nós mesmos e sobre o outro — explica Furtado, que assina também a supervisão de texto da série.
A cada capítulo, serão dois atores em sua residência mostrando o misto de sensações provocadas pelo isolamento social. Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, mãe e filha, participam de outro episódio. Taís Araújo garante que sua personagem é um verdadeiro espelho do que enfrentou no início da pandemia.
— É uma montanha-russa de emoções e eu estava igual à personagem, fiquei encantada! E pude exercitar tudo, desde um drama profundo a um pouco de comédia — conta a atriz, que também está se preparando para retomar as gravações da novela Amor de Mãe, nas próximas semanas.
O escritor do episódio estrelado pelo casal, Alexandre Machado, ficou feliz pelo convite de Furtado, porque, diz ele, encontrava-se em uma fase de bloqueio mental. Este é o seu primeiro trabalho após a morte, em agosto do ano passado, de sua esposa e parceira de profissão, Fernanda Young, com quem foi casado por 25 anos.
— Eu não seria 10% do que sou se não fosse por ela. Na verdade, não estaria nem vivo se não fosse por ela. Não teria esses quatro filhos, que hoje são tudo para mim. Mas não foi apenas sorte, porque nós dois nos dedicamos a ter um projeto de vida que foi muito além de marido e mulher. Foi não, continua sendo, pois ainda continuo no mesmo projeto traçado por ela. E pretendo encontrar com ela em muitas outras encarnações — diz Machado.
O roteiro de Linha de Raciocínio foi escrito em dois dias. A história mostra um casal confinado que, ao divergir sobre uma questão ideológica, parte para uma grande discussão turbinada por nervos à flor da pele. Para Machado, Amor e Sorte chega no momento ideal:
— Estamos naquele momento em que conseguimos fazer piada com o isolamento, então já começamos a superar esse “trauma”. Rir de nós mesmos, até em situações extremas como essa. Vai ficar em nossas memórias para sempre.
Com duração de 20 a 25 minutos por episódio, Amor e Sorte é considerada uma atração pioneira no quesito produção. Os atores receberam caixas com equipamentos de gravação e de cenografia em suas casas, devidamente higienizadas. Patrícia dirigiu as cenas do primeiro episódio remotamente, com colaboração de Furtado e Machado – um diretor de fotografia também trabalhou a distância graças a um sistema eletrônico ligado às câmeras.
— A verdade é que a gente, finalmente, aprendeu que é possível fazer coisas boas com menos recursos. Sem dúvidas, tem total diferença ter uma equipe cheia no estúdio, mas conseguimos fazer vídeos muito bons — reforça Patrícia.
Laços
Lázaro e Taís gravaram suas cenas sempre entre cinco da tarde e uma da manhã – aproveitando o silêncio da casa e pelo horário noturno se encaixar com o espírito da trama. O horário facilitou a organização da rotina: eles também tinham que dar atenção aos filhos João, nove anos, e Maria Antônia, cinco.
— Eu e a Taís somos muito diferentes, mas trazemos equilíbrio ao outro em momentos fundamentais. Se um está fraquejando, a nossa sorte é que o outro sempre consegue ajudar. As diferenças acabam virando o motor do outro, é a grande sorte que contamina nosso amor — reforça Lázaro.
Para Taís, o marido encarou bem toda a situação, por ser mais sereno. Ficava surpresa com a capacidade de organização dele, o quanto conseguia marcar aulas online e organizar rotinas. A ansiedade, no fim, foi controlada graças às gravações.
— Foi a virada de humor nosso: o trabalho é cura para a gente. Não tenho dúvidas o quanto a arte tem esse poder. Parece que o trabalho com arte virou a nossa chave — reflete Taís.
Segundo Furtado, esse processo de contato com a arte funcionou mesmo em Amor e Sorte:
— Aquela camerazinha na nossa casa nunca foi tão útil, né? Nada como nesse frio de quatro graus de Porto Alegre, estar de pijama e poder dirigir de casa — brinca o gaúcho.
O que vem depois
Após a trama de Taís e Lázaro, Amor e Sorte terá um capítulo protagonizado por Caio Blat e Luisa Arraes, com texto deles próprios e de Furtado, que fala sobre um relacionamento que começa exatamente quando as pessoas precisam entrar em confinamento. No terceiro episódio, Emilio Dantas e Fabiula Nascimento protagonizam a história de um casal que caminha para o divórcio quando o isolamento começa, com texto assinado por Jô Abdu e Adriana Falcão.
Para fechar a temporada, o quarto episódio promete surpreender o público em cenas protagonizadas por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, interpretando mãe e filha que precisam lidar com o isolamento e seus fantasmas do passado. O texto é de Antônio Prata, com parceria de Chico Mattoso, Fernanda Torres e Jorge Furtado. O episódio conta com a direção de Andrucha Waddington, marido de Fernanda e um dos grandes nomes do audiovisual brasileiro. A captação de imagens ficou por conta dele e dos filhos, Pedro e Joaquim, que contaram ainda com João Faissal na direção de fotografia. O episódio foi gravado na região serrana do Rio de Janeiro, onde a família passa esse período. Em entrevista recente ao Gshow, Fernanda Torres conta que ficou feliz com o trabalho em família:
— Estamos muito emocionados com essa experiência, ainda mais contando apenas com a família, além do Faissal, que acabou adotado. E com a mamãe convivendo com os netos, muito incrível. Esse projeto vai deixar saudade na gente. Foi um acontecimento inesperado, um presente em meio ao caos.