Do escritório de advocacia, vestindo terno e gravata, diretamente para o seu galpão de facas, onde teria de resolver o problema em uma máquina. Foi diante desta situação, na metade de 2019, que o gaúcho Sandro Boeck, 45 anos, viu que sua imersão na cutelaria precisava de dedicação exclusiva. O que começou como hobby e se transformou na sua atual profissão, agora ganha um gosto de aventura: ele é um dos participantes da terceira temporada de Desafio sob Fogo: Brasil e América Latina, que estreia nesta quinta-feira (13), às 23h, no canal por assinatura History.
Nascido em Santa Maria e morador de Cachoeira do Sul desde 1985, Boeck, mais do que representar o Estado no reality show de cutelaria, também busca o tricampeonato consecutivo para o Estado: as duas edições anteriores foram vencidas por Tom Silva (2018) e Daniel Jobim (2019). Boeck começou sua relação com as facas como uma distração para as horas exaustivas em seu escritório de advocacia, em 2006. Por sugestão de um amigo, topou fazer um curso de cutelaria com Luciano Dorneles, um dos maiores especialistas do país, e passou a montar as próprias peças.
Desde o início da forja, sua preocupação com os detalhes chamou a atenção de instrutores e em feiras do ramo. A persistência lhe garantiu um prêmio como melhor cuteleiro iniciante, em Nova Petrópolis (RS), em 2007, Passou a participar de eventos por todo o país. Foi aprimorando a técnica: tornou-se mestre cuteleiro pela Corporazione Italiana Coltellinai, na Itália, e mestre Jorman Smith pela American Bladesmith Society, nos Estados Unidos.
Especialista nas facas dos tipos sorocabana e gaúcha, Boeck define a experiência no reality como algo “surreal”. Toda a temporada, gravada no México no início do ano, colocou os competidores para forjar itens inusitados, como faca de astronauta, adaga tuaregue e punhal romano.
— Não é nada do que estou habituado a fazer. Sempre fui um cara que trabalhou em competições para pensar no prêmio, buscando uma peça de excelência. Sou muito detalhista — conta Boeck, que ficou preocupado com a fabricação das peças, rezando para que não quebrassem na hora dos testes de resistência.
O cuidado dele com cada faca que produz já ganhou o reconhecimento de celebridades. Em seu currículo, o gaúcho se orgulha de já ter presenteado com suas criações artistas como Sérgio Reis e Michel Teló — o autor de Ai Se Eu Te Pego, por exemplo, encomendou uma faca de Boeck para o tradicional Churrasco do Teló, por indicação de um amigo envolvido na organização. O encontro com Reis, por sua vez, foi especialíssimo, nos bastidores de um programa de TV.
— Olhei para ele e disse: "Desculpa, só tenho essa faca e vou te presentear". Ele encheu os olhos de lágrimas na hora — recorda o cuteleiro.
Por aqui, ajudou o nativista Jairo Lambari a elaborar uma faca em homenagem aos 30 anos de carreira do cantor, celebrados agora em 2020. Os dois trabalharam juntos em 10 peças numeradas, dando exclusividade à produção.
A parceria com Lambari foi somente uma das histórias felizes colecionadas por sua oficina de cutelaria, aberta em 2018 em um pequeno galpão com 150 metros quadrados, em Cachoeira do Sul. O negócio foi crescendo e, em 2019, Boeck decidiu que iria abandonar a carreira de advogado. Após começar a se despedir dos clientes, contratou mais auxiliares. Agora, administra sete funcionários no forjamento de facas e alugou um novo espaço, com 900 metros quadrados.
Apaixonado pela arte, Boeck vê na cutelaria uma forma de conexão com os antepassados:
— Fazer faca é uma obra de arte. As pessoas se apaixonam porque não é um simples artesanato, e sim algo que deixa um legado. A gente rememora o passado, os momentos felizes de quem nos deixa uma peça dessas de presente.