O ator Flávio Migliaccio, 85 anos, foi encontrado morto na manhã desta segunda-feira (4), em seu sítio localizado em Rio Bonito (RJ). Segundo informações da TV Globo, a morte foi confirmada pelo 35º Batalhão de Polícia Militar e o boletim de ocorrência foi registrado como suicídio.
O colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, revelou que o artista deixou uma carta para familiares.
O ator nasceu em São Paulo (SP). Seu pai era barbeiro, e a mãe cuidava dele e de seus 16 irmãos. Embora o patriarca da família quisesse que Flávio seguisse seus passos na tesoura e navalha, o jovem prospectava a carreira artística. Sua trajetória na atuação começou após assistir a um espetáculo em uma igreja. Era uma peça inspiradora? Não, pelo contrário. Ele avaliou que um dos atores era muito ruim.
"Não gostei dele de jeito nenhum. Então, fiz uma coisa que não deveria ter feito: esperei terminar o espetáculo e fui falar com o diretor. Disse que o cara era muito ruim e que eu faria melhor. O diretor me deu o papel do cara. Fiz, foi legal e comecei a gostar. E foi assim que estreei como ator amador", relatou ao Memória Globo.
Flávio fez o curso de teatro do italiano Ruggero Jacobbi em 1954. Em seguida, entrou para o grupo amador Teatro Paulista do Estudante. A profissionalização veio com o Teatro de Arena, de Zé Renato, onde atuou em peças como A Revolução na América do Sul, de Augusto Boal, Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, e Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho.
No cinema, Flávio estreou em O Grande Momento (1958), de Roberto Santos, com quem fez o clássico A Hora e A Vez de Augusto Matraga (1965). Ele participou de Cinco Vezes Favela (1962), atuando em um episódio e escrevendo o roteiro de outro, com Leon Hirszman. Em 1963, estreou como roteirista e diretor em Os Mendigos. Ao longo de sua trajetória, atuaria em filmes como Terra em Transe (1963), Todas as Mulheres do Mundo (1966), O Homem Nu (1968), Os Machões (1972) e Boleiros (1998).
– Como eu fiz muitas pornochanchadas, estimuladas pelos donos do poder na época, quando aparecia um filme com um bom diretor, uma boa história, era um alívio. Era o momento para a gente procurar se reciclar, entrar na linha, tentar reencontrar tudo o que havia perdido – admitiu Flávio em entrevista à GaúchaZH em 2014.
Na televisão, Flávio ganhou destaque na série infantil Shazan, Xerife & Cia, exibida pela Globo entre 1972 e 74. Ele era o Xerife, enquanto Paulo José vivia o Shazan. Os dois eram uma dupla de mecânicos atrapalhados, que rodavam as estradas do país a borda da camicleta (mistura de caminhão com bicicleta). A série era um spin-off da novela O Primeiro Amor (1972), de Walther Negrão. Na ocasião, os personagens fizeram tanto sucesso no folhetim que ganharam um programa próprio.
Outro personagem de sucesso que o ator interpretou na época foi Tio Maneco, que rendeu filmes dirigidos e estrelados por ele, como As Aventuras do Tio Maneco (1971), O Caçador de Fantasmas (1975) e Maneco, o Super Tio (1978), além de uma série de TV exibida na TVE entre 1981 e 1985. Ele também dirigiu o longa infantil Os Trapalhões na Terra dos Monstros (1989).
– Gosto de fazer comédias não para ficar rico ou ganhar fama. Fico feliz vendo as pessoas sorrirem, principalmente as crianças. Acho que a criança hoje vive muito traumatizada com tanta violência e está precisando sorrir, ter de volta a sua fantasia – relatou à GaúchaZH.
Ao longo de sua trajetória, trabalhou em mais de 30 produções entre novelas e minisséries, como O Astro (1977), Rainha da Sucata (1990), A Próxima Vítima (1995), Senhora do Destino (2004), América (2005), Sete Pecados (2007), Caminho das Índias (2009), Passione (2010) e Tapas & Beijos (2011-15).
Em entrevista ao Memória Globo, Flávio admitiu que o feirante Vitinho, de A Próxima Vítima, foi o seu papel preferido entre os quais interpretou na TV. Por causa do personagem, ele foi premiado como melhor ator coadjuvante pela Associação Paulista de Críticos de Arte em 1995.
"Foi o que mais combinou comigo. Eu bolei uma coisa que considero uma das maiores criações que tive como ator. Colaborei com o texto assim: inventei que ele vivia com o travesseiro e a roupa de capa embaixo do braço, porque não tinha lugar para dormir. Comecei a desenvolver isso, a fazer uma cena dramática segurando o travesseiro. Ficava engraçado", descreveu.
O último trabalho do ator exibido na TV foi em Órfãos da Terra, em 2019, no qual viveu Mamede. O papel lhe rendeu o prêmio de melhor ator pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Atualmente, a novela Êta Mundo Bom (2016), em que Flávio interpreta o Dr. Josias da Conceição, está sendo reprisada em Vale A Pena Ver de Novo. Ele também está na minissérie Hebe, disponível na Globoplay, como o maestro Fego.
Flávio era conhecido por um humor involuntário, além de ser bastante colaborativo nas produções em que trabalhava – era comum trocar ideias com autores e diretores, além de sugerir até mesmo dicas para seus figurinos.
"Eu não fico chateado por pegar um papel pequeno. A única coisa que me incomoda na televisão é a falta de humor do diretor e da equipe. Eu gosto de brincar, de ficar num ambiente alegre", disse ao Memória Globo.
Homenagem em Gramado
Em 2014, Flávio recebeu no Festival de Cinema de Gramado o Troféu Oscarito – reconhecimento a sua importância também para o cinema nacional como ator.
– Sou avesso a festas e badalações, mas qualquer homenagem ou reconhecimento ao meu trabalho é importante e estimulante. Receber um prêmio em um festival tão importante como o de Gramado faz eu me sentir útil e chegar aos 80 anos bastante feliz – disse na ocasião.