Um atentado ao Hotel Canal, sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Bagdá, no Iraque, tirou a vida de Sergio Vieira de Mello, mas seu legado persiste. O cineasta americano Greg Barker tem grande interesse pela vida do diplomata brasileiro morto em 19 de agosto de 2003. Produziu um documentário para o canal HBO em 2009 e, em 2020, apresenta sua homenagem na ficção, com o longa-metragem Sergio, que estreia nesta sexta-feira (17) na Netflix.
Um dos parceiros de Barker no projeto é Wagner Moura, que interpreta o alto comissário da ONU e braço direito do secretário-geral da organização à época, Kofi Annan. Além de atuar, Moura é um dos produtores do filme, rodado na Jordânia, Tailândia, Brasil e Estados Unidos.
Mais do que uma visão dramatizada da vida de Sergio, o longa apresenta um viés pouco explorado em sua biografia: o relacionamento, iniciado entre missões pelo Timor Leste e pelo Camboja, com a economista argentina também funcionária da ONU Carolina Larriera. A personagem é interpretada pela cubana Ana de Armas, de filmes como Blade Runner 2049 e Entre Facas e Segredos, pelo qual concorreu esse anos ao Globo de Ouro de melhor atriz em comédia ou musical.
O romance teve desfecho trágico. Naquele 19 de agosto de 2003, em meio ao trabalho de Sergio para apaziguar o clima de insegurança no Iraque, a sede da ONU em Bagdá foi alvo de um ataque a bomba, posteriormente assumido pela rede terrorista Al Qaeda. Sergio estava entre 22 mortos encontrados nos escombros. Carolina sobreviveu.
— Acho, honestamente, que se eu pudesse resumir o que é o filme, diria que é um filme sobre empatia, valor em absoluta falta em alguns líderes mundiais hoje em dia – diz Wagner Moura em entrevista por telefone à GaúchaZH. — E Sergio tinha isso, muito. Mas era um homem muito complicado, era como o James Bond tentando salvar o mundo.
A referência ao agente secreto britânico 007 veio após a citação pela reportagem da comparação feita pela escritora vencedora do prêmio Pulitzer Samantha Power, autora da biografia mais conhecida do brasileiro: O Homem que Queria Salvar o Mundo: Uma Biografia de Sergio Vieira de Mello. Para ela, o diplomata pode ser considerado uma combinação entre James Bond e Robert “Bobby” Kennedy, procurador-geral dos Estados Unidos, assassinado em 1968, conhecido por seu atuação na luta pelos direitos civis do negros e contra o crime organizado.
— O Sergio teve uma vida complicada, mas encontrou na Carolina algum tipo de equilíbrio pessoal. Ele se recusou a ir ao Iraque quatro vezes, até ser convencido por George W. Bush. Isso é muito forte para mim, porque todos queremos alcançar as coisas. Mas, em algum momento, especialmente em um momento como o dessa pandemia, você tem que pensar sobre o que realmente importa em sua vida. E ele pensou muito nisso, principalmente depois que conheceu Carolina.
A colega de Sergio teve sua união com ele reconhecida legalmente apenas em 2017. Ana De Armas destaca, também em conversa com GaúchaZH, que o amor dos dois ganha vida ao longo da trama proposta pelo filme:
— Ele era um homem muito motivado por seu trabalho, queria estar lá fora, no campo, e arriscar tudo. No filme, vemos o quanto isso afeta as pessoas. Mas o encontro dos dois forma uma rede de apoio mútuo. Foi uma história de amor muito honesta e muito bonita.
007
Para a atriz, o longa-metragem de Greg Barker ressalta um pouco algumas características do brasileiro que o aproxima de uma versão real de James Bond:
— Ainda hoje, as mulheres falam do Sergio com um jeito meio de flerte, como se o amassem. No fim, acho que ele era mais corajoso do que James Bond. Não tinha todas as armas e a tecnologia moderna para se proteger. Ele estava lá fora no campo cuidando das pessoas necessitadas, tentando promover a paz.
A formação intelectual de Sergio interferiu na construção do personagem, segundo Wagner Moura. Formado na Sorbonne, na França, com licenciatura e mestrado em filosofia, além de doutorado em ciências humanas, o diplomata utiliza todo tipo de conhecimento em suas missões.
— Não pensava em James Bond quando estava trabalhando no personagem. Mas lembro que havia uma coisa do 007, dessa parte do poder, e o Sergio era um cara único. Tinha uma formação intelectual muito boa. Estudou na Sorbonne e foi formado nos campos da Agência das Nações Unidas para a Refugiados. Então, ao mesmo tempo, tinha a coisa intelectual, mas também era um homem do campo. Aí vejo a comparação com James Bond. Mas Sergio é mais como meu tipo de personagem — reforça Moura.
Uma coincidência. Ana de Armas vive a próxima Bond girl em 007 – Sem Tempo para Morrer, com estreia prevista para novembro.
— No fim, ter vivido a Carolina me fez viver uma Bond girl duas vezes (risos) — finaliza a cubana.