O desembargador Benedicto Abicair, da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), foi o responsável pela decisão de suspender a veiculação de A Primeira Tentação de Cristo, especial de Natal do Porta dos Fundos para a Netflix. O magistrado trabalhou por 28 anos como advogado antes de se tornar desembargador, em 2006.
Na decisão, Abicair considera que "o STF já assentou que a incitação ao ódio público contra quaisquer denominações religiosas e seus seguidores não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão", contrapondo o argumento da Netflix e do Porta dos Fundos sobre a livre divulgação de suas ideias na produção.
Em 2017, o magistrado foi relator de um recurso do presidente Jair Bolsonaro, então deputado federal, que havia sido condenado em segunda instância a pagar indenização por dano moral em ação movida por grupos de defesa dos direitos LGBT+, que o acusaram de dar declarações homofóbicas e racistas no programa CQC, da Band.
Após perder em primeira instância, Bolsonaro entrou com recurso no Tribunal de Justiça do Rio. Ao participar do julgamento do recurso, Abicair votou a favor do então deputado federal argumentando: "Não vejo como, em uma democracia, censurar o direito de manifestação de quem quer que seja". As informações são do jornal O Globo.
Em seu voto, Abicair defendeu que Bolsonaro já era conhecido, naquele momento, como "um defensor de valores ultraconservadores" que manifesta opiniões "divergentes das chamadas minorias, de forma contundente e, não poucas vezes, agressiva". Ao CQC, Bolsonaro declarou que não teria filhos gays porque os seus "tiveram uma boa educação". O magistrado disse que achava que as falas não eram discriminatórias.
Abicair e a desembargadora Teresa Andrade votaram a favor do recurso de Bolsonaro. Porém, outros três desembargadores — Inês da Trindade, Cláudia Pires e Nagib Slaib — foram contra o parlamentar, que acabou condenado na sessão. Um novo recurso sobre o caso ainda não foi concluído no próprio TJ do Rio.
Repercussões
Para o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), a decisão judicial que ordenou a retirada do ar do Especial de Natal Porta dos Fundos caracteriza censura e será derrubada pelos tribunais superiores. A declaração foi dada ao colunista Bernardo Mello Franco, do jornal O Globo. Para o ministro, a decisão de retirar do vídeo não tem amparo na Constituição.
— É uma barbaridade. Os ares democráticos não admitem a censura — declarou ele ao jornal.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, também se manifestou, em nota, de forma crítica à decisão de Abicair: "A Constituição brasileira garante, entre os direitos e garantias fundamentais, que ‘é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’. Qualquer forma de censura ou ameaça a essa liberdade duramente conquistada significa retrocesso e não pode ser aceita pela sociedade”.