Era sua primeira experiência como atriz, e Rosalva Cardona precisava chorar em uma cena. Pediu que trouxessem seu celular e deu play em um áudio que sua avó, que mora na Venezuela, lhe mandara. Na gravação, ela agradecia à neta por um dinheiro que tinha recebido e caía em prantos. Como já esperava, Rosalva se emocionou:
— Precisava chorar e chorei. Copiosamente — conta.
Rosalva, 36 anos, é venezuelana e estreou na semana passada na série Segunda Chamada, da TV Globo em coprodução com a O2 Filmes. Engenheira eletricista, foi selecionada entre dezenas de conterrâneas para integrar o elenco principal da produção interpretando Alejandra, uma imigrante de seu país. Outro venezuelano, Gabriel Diaz, interpreta Javier, seu irmão na série - que aborda o cotidiano de uma escola de ensino noturno para jovens e adultos e é exibida às terças-feiras.
Mãe de um garoto de nove anos, Rosalva deixou a cidade de Puerto Ordaz em 2015, com o filho e o marido. Estava cansada da escassez de produtos devido à crise econômica e da insegurança que tomou conta do país. Sequestros relâmpago se tornaram comuns, e dois vizinhos foram vítimas.
— Se você via um carro atrás de você há muito tempo, já se assustava. As festas de aniversário começaram a ser feitas durante o dia, porque à noite ficou perigoso sair. Existia um toque de recolher não anunciado: às 18h ninguém mais saía de casa — relata.
A gota d'água foi quando o filho pediu para comer cereal com água, pois não tinha leite no mercado:
— Aquilo me impactou. Não queria que ele crescesse acostumado a isso, que achasse normal as coisas faltarem. E estou falando de produtos básicos: leite, ovos, queijo, papel — diz.
Antes da crise, a família de Rosalva tinha vida confortável. Com imóvel e carro próprios, passavam férias todo ano no exterior.
— De repente deixamos de viajar, não tínhamos mais dinheiro para comprar as coisas. Eu participava de manifestações, mas não adiantava nada. Me sentia impotente. Um dia disse: "Chega, vamos embora".
Ela pediu demissão de seu emprego em uma hidrelétrica, o marido saiu da empresa onde trabalhava como administrador e fechou a escola de culinária onde dava cursos aos sábados e domingos.
Luta no Brasil
Rosalva, que já tinha vindo a São Paulo de férias, não gostava da cidade. Foi convencida a se mudar para cá pelo irmão, que trabalhava no programa Mais Médicos.
O começo no Brasil foi duro, lembra ela. Moraram sete meses com a família do irmão e tiveram que se reinventar profissionalmente.
— Passamos os três primeiros anos com as roupas que trouxemos. Não podíamos comprar nada além do básico. Aqui é tudo caro, você passa a vida pagando o carro, o aluguel é muito alto, tem muitos impostos.
Hoje, o casal vende comida venezuelana: as famosas arepas de milho, entre outros pratos. O Arepas Picatta conta com um trailer, um carrinho e uma "food bike" para eventos, além de trabalhar com delivery e catering. A rotina de Rosalva é pesada: nos finais de semana, trabalha cerca de 14 horas por dia em eventos, praticamente sem descanso.
O dinheiro tem que sobrar para ajudar a família na Venezuela. Os pais e os sogros de Rosalva dependem dos medicamentos que eles enviam por portadores - e que, com sorte, chegam até o destino. Seu sogro, por exemplo, é diabético e não encontra remédios para a doença ou tiras para medir glicose.
Rosalva soube da seleção para a série da Globo em um programa de formação para imigrantes do qual participava. Decidiu se inscrever com uma amiga. Chegando lá, encontrou ao menos 50 venezuelanas também inscritas.
O teste, em que tinha de responder a perguntas sobre sua rotina diante da câmera, se desenrolou de forma inesperada para Rosalva. Enquanto falava, começou a questionar sua vida e caiu no choro.
— Perguntaram com quem ficava meu filho quando eu trabalho nos eventos de noite e contei que ele vai com a gente. Fiquei com vergonha, ele tem escola no dia seguinte, comecei a pensar: será que sou uma boa mãe? Será que estou causando um trauma a ele? O que estou fazendo da minha vida? — lembra.
Quando terminou, achou que não seria selecionada, mas agradeceu pela chance de poder desabafar.
— Foi como uma terapia. Saí de lá toda vermelha, foi bem intenso.
Surpreendeu-se ao passar para a segunda rodada, que foi em grupo, com cerca de 70 outras mulheres. Acabou sendo chamada para o papel. A personagem de Rosalva é aluna da escola e vende arepas para sobreviver. As gravações duraram quatro meses e eram de madrugada, geralmente das 17h às 5h do dia seguinte. Atores novatos como ela contaram com a ajuda de um preparador.
Rosalva e o marido sonham em abrir um ponto fixo para o negócio e alcançar uma estabilidade que permita trazer seus parentes para o Brasil:
— O mais importante é manter nossa família unida.