Por trás de A Dona do Pedaço, atual novela das nove da Globo, está o trabalho de um gaúcho que pode não ser conhecido da maioria dos espectadores. Ao lado da preparadora da emissora Paloma Riani, o porto-alegrense Vinicius Meneguzzi, 32 anos, conduziu os trabalhos de ensaios e a preparação corporal dos atores do folhetim escrito por Walcyr Carrasco.
Formado pelo antigo TEPA (Teatro Escola de Porto Alegre), Meneguzzi tem uma companhia de teatro na Capital gaúcha há 10 anos, com trabalhos voltados à dramaturgia do corpo e da criação coletiva. Por ter realizado pesquisas e por sua condução no grupo teatral serem baseadas no diretor de teatro polonês Jerzy Grotowski, Riani acredita que esses conceitos tinham tudo a ver com a novela.
— Grotowski estabelece princípios que colocam o ator dentro de um trabalho ritual, onde ações físicas elaboradas por (Constantin) Stanislavski são levadas ao extremo. Permite ao ator explorar seus impulsos para uma interpretação mais orgânica e deixa de lado um pouco a parte racional e oferece o instinto para o momento de criação da cena — explica Meneguzzi.
Para ele, o processo foi surpreendente, já que nem todos os atores tinham proximidade com um método tão físico para a construção de cenas e personagens. Além disso, ele teve a chance de ver "atores superconhecidos de uma forma muito crua e viva", o que tornou tudo ainda mais inesquecível.
Toda a preparação corporal foi realizada antes das gravações da primeira fase de A Dona do Pedaço, que teve sets de filmagem no interior do Rio Grande do Sul. A equipe recebeu uma sinopse dos personagens e de seus primeiros conflitos, com a vivência de momentos-chave dentro da trama. Um exemplo foi a euforia do casamento de Maria da Paz (Juliana Paes) e Amadeu (Marcos Palmeira), por se tratar de um peso do pacto entre as duas famílias rivais e uma ruptura, já que o noivo levou um tiro no altar.
— A situação em si já colocava todos em um estado energético único, onde cada ator, com sua bagagem, respondia aos estímulos de um jeito corporal que o ajudava a construir a personagem — exemplifica o diretor gaúcho.
Fernanda Montenegro e a explosão de sensações
Meneguzzi relata que, nas primeiras leituras, foram chamados os três núcleos principais
(as famílias Matheus, Ramirez e as dos populares de São Paulo) em dias separados, para então se relacionarem entre si. No entanto, nesse processo, ele confessa que ficou "catatônico" quando lidou com a chegada de Fernanda Montenegro, que interpretou a avó de Maria da Paz, Dulce, já morta nas primeiras semanas da trama.
O professor de teatro disse que tentou manter a postura profissional, mas foi difícil segurar a emoção:
— Na terceira página que ela terminou de ler, eu tive que pedir licença para ir ao banheiro, pois eu não estava conseguindo conter as lágrimas. Fiz isso duas vezes. E acho (espero) que ninguém tenha percebido. Difícil manter uma distância da emoção de uma pessoa que é uma entidade, mais do que um exemplo pra mim — confidencia.
Na oficina, Meneguzzi conta que o elenco tinha noção de o quanto a densidade da matriarca impregnava na família Ramirez:
— Por mais que eu não tenha trabalhado com ela na preparação, ela foi fundamental para entendermos a energia que a família deveria corresponder.
Nesta segunda-feira (29), A Dona do Pedaço chega ao capítulo 61, em uma trama que já teve diversas reviravoltas. Para o preparador, Walcyr Carrasco e a diretora artística Amora Mautner estão causando uma verdadeira "explosão de sensações no espectador", por conta da verticalização do melodrama, assemelhando-se a novelas antigas em que "a emoção fala antes da razão".
— Eu sou apaixonado por isso. Essa proposta torna o corpo mais vivo, as cenas ficam todas dentro de uma melodia que acaba levando o público a diferentes sensações. Principalmente nas mudanças das personagens que muitas vezes serão explicados os motivos só lá na frente — pontua Meneguzzi.
Segundo ele, um dos destaques é a relação entre Fabiana (Nathalia Dill) e Vivi Guedes (Paolla Oliveira), que tinham como base um exercício clássico do melodrama francês: duas irmãs são separadas de sua família, cada uma vive em uma realidade diferente, e o que as une são dois amuletos.
— Tudo poderia cair em um clichê se não fosse o desafio de dar um novo significado ao melodrama na contemporaneidade. Nathalia e Paolla se entregaram muito e fiquei muito feliz de ver os resultados disso no ar.