Uma dupla de sequestradores está na praia, observando sua próxima vítima. Enquanto isso, um chefe de polícia discursa sobre o quanto este tipo de crime está em alta, que se tornou um negócio que só cresce no Rio de Janeiro. Ambientada no fim da década de 1990, A Divisão, novo seriado da plataforma Globoplay, aborda este tema em cinco episódios.
Em 1997, havia uma média de 11 sequestros por mês na capital fluminense, sendo que a elite carioca era o principal alvo dos criminosos. Para explicar este período, o criador e roteirista da série, José Júnior, norteia a narrativa a partir do trabalho da Divisão Antissequestro do Rio (DAS), que praticamente zerou os casos em 2000.
Além disso, Júnior trouxe a experiência acumulada com a ONG Afroreggae, que cuida de jovens de comunidades carentes afastando-os do tráfico de drogas. Sua pesquisa foi além. Depois de entrevistar o ex-delegado da DAS Marcos Reimão em um programa no Multishow, em 2011, Júnior realizou rodas de conversas com policiais, reféns e até ex-sequestradores que já cumpriram suas penas. O primeiro contato com o grupamento foi em 1995:
– Estava assistindo ao jogo de Palmeiras e Vasco em uma favela, quando anunciaram que ali tinham encontrado o cativeiro do filho de Eduardo Eugênio Gouvêa, presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro na época. Ouvi tiros, helicóptero, gente correndo na rua. Depois, com as pesquisas, conheci o delegado que resolveu esse caso e ele inspirou um dos meus protagonistas.
A história de A Divisão é centrada em Mendonça (Silvio Guindane), policial honesto e violento, e o corrupto Santiago (Erom Cordeiro). Benício, o delegado que os comanda na DAS, é vivido por Marcos Palmeira. Também estão no elenco Dalton Vigh, Natalia Lage e Vanessa Gerbelli. Com direito a perseguições, tiroteios e negociações, a produção impacta o espectador por sua atmosfera pesada. Essa era a ideia, segundo o diretor Vicente Amorim:
– Queria que os espectadores tivessem a mesma sensação dos atores, de estarem acuados nas cenas. Sabe quando você acorda em um hotel e não sabe onde está? Não queríamos “americanizar” a narrativa, e sim dar a sensação de acordar de um pesadelo o tempo todo.
Tropa de elite
A narrativa parte do olhar de uma divisão da polícia, que precisa invadir comunidades em suas operações. Tiroteios são inevitáveis. O clima de A Divisão remete ao dos dois filmes Tropa de Elite, de José Padilha.
– Não tem como fazer um material sobre violência no Rio e ignorar isso. A diferença é que a nossa série é investigativa, enquanto o primeiro Tropa é um filme de guerra e o segundo fala do contexto político. Eu espero que os elementos semelhantes causem o mesmo sucesso – brinca Amorim.
Para Júnior, a comparação é “uma honra” e a semelhança está apenas no fato de as duas produções serem baseadas em fatos reais. A Divisão vem para preencher um espaço neste gênero dentro do audiovisual brasileiro.
– Desde o Tropa 2 (lançado em 2010) para cá, eu não vi nenhum produto audiovisual nacional que considere bom em relação à polícia e às organizações criminosas. Acho que existe um vazio. O público gosta da temática e a série não deixa nada aos seriados internacionais que já vi – acredita Júnior.
Pensando nisso, A Divisão já está com a segunda temporada confirmada e José Júnior, em parceria com Amorim, prepara o lançamento de um filme derivado da produção, com lançamento previsto para 2020.
– A coisa mais importante de qualquer projeto é entreter o espectador, com personagens complexos e reais. Na série, nos preocupamos com a relação entre política, criminalidade e policia. A polícia precisa combater o crime, e a política precisa intervir nisso. As fronteiras entre a ação e o poder de cada um desses elementos já começaram a se esbarrar no Brasil. Quando nos dermos conta, o risco é acordar em um país com uma realidade difícil, e estamos muito perto disso acontecer – finaliza Amorim.