Antes do adeus, uma celebração à vontade de viver. O ator gaúcho Leonardo Machado morreu em setembro de 2018, as 42 anos, e deixou como um de seus últimos trabalhos Sonho Americano, série documental de 12 episódios que estreia nesta segunda-feira (3), às 18h30min, no canal por assinatura Travel Box Brazil. Na produção, Leo, como era conhecido, e o cineasta Paulo Nascimento, seu amigo e parceiro de muitas produções, caem na estrada para percorrer com suas motocicletas a famosa Rota 66, entre Nova York e Santa Mônica, nos Estados Unidos.
A cada parada do roteiro de dois meses, a dupla conversa com brasileiros que vivem nos EUA. A expedição vai muito além dos pontos turísticos. Falam sobre estilo de vida, cultura e, principalmente, sobre sonhos.
– Não precisa um livro de autoajuda dizer que você pode ir atrás de um sonho. Pensávamos em atravessar a América e mostrar que pessoas como nós vivem naqueles lugares e realizam seus sonhos. O imigrante, ilegal ou não, é um cara que precisa ter um sonho muito grande para conseguir sobreviver. Não somos apresentadores, mas viajantes descobrindo lugares e pessoas, como muitos irão fazer sentados no sofá – diz Nascimento.
A direção de fotografia da série é de Renato Falcão, que tem no currículo trabalhos em animações de Hollywood como A Era do Gelo, Rio e O Touro Ferdinando. Ele garante que o trabalho foi um desafio, já que a lógica de produção é oposta ao que estava acostumado:
– Animação é muito planejamento, com um plano sendo trabalhado por meses. Tive projetos em que eram 500 pessoas por três anos debruçadas sobre uma animação. Documentário é o contrário. Você capta naquele período e é só aquilo, não tem como voltar atrás para ser refeito. Gosto de lidar com extremos.
São várias histórias contadas em Sonho Americano. Para Falcão, as gravações durante a passagem pelo deserto foram marcantes, principalmente pelo calor de mais de 40°C que precisaram enfrentar.
– Até brincamos com aquela história de um ovo fritar na pista, de tão quente que estava. Vieram os pássaros e levaram embora o ovo. Talvez demore um bom tempo (risos). As lembranças dessa viagem são muito boas.
Leonardo Machado teve uma carreira marcante na televisão e no cinema. Participou de novelas como Viver a Vida e Senhora do Destino e, mais recentemente, da minissérie Se Eu Fechar Os Olhos Agora. Ele e Nascimento fizeram juntos filmes como Teu Mundo Não Cabe nos meus Olhos, A Superfície da Sombra e Em Teu Nome – por este último, Leo conquistou o Kikito de melhor ator no Festival de Gramado de 2009. Ele ainda tem como obra inédita o longa Legalidade, de Zeca Brito, no qual vive Leonel Brizola.
– Com ele, não tinha tempo ruim. Em um set de filmagem, é normal ter estresse, mas o Leo sempre foi muito calmo, paciente e sempre disposto a achar uma solução. Era uma pessoa incrível – recorda Falcão.
Sonho Americano foi gravado entre agosto e setembro de 2017, três meses antes de o ator descobrir o câncer no fígado. Nascimento destaca que o clima da série é o da vontade de conhecer e de viver:
– Falávamos muito sobre isso. Em A Jornada, o último episódio, refletimos sobre a importância de valorizar cada novo quilômetro, cada novo dia. O Leo atravessou a América e não sabia o seu destino, mas quem sabe? Quem garante qual será a última viagem?
Sonho Americano: estreia nesta segunda (3), às 18h30min, no Travel Box Brazil. Episódios todas as segundas-feiras. Reprises: quintas-feiras, às 18h, e sábados, às 20h30min.
“Viver é o único jeito de enganar a morte”
Entrevista com o cineasta Paulo Nascimento
Como você e o Leo Machado estabeleceram as paradas da Rota 66 para o documentário?
A Rota 66 é cada vez mais um “espírito” de sair para a estrada do que um caminho propriamente dito. Às vezes, estávamos nela e, às vezes, em paralelo, fora dela. Acima de tudo, ela é um sentimento de quem quer fazer algo na vida que não seja o convencional. O avião facilita, mas a estrada é vivência. Foram 6 mil quilômetros de vivência.
Qual o maior legado que o Leo deixou?
Generosidade. O Leo sempre pensou mais nos outros do que nele mesmo, por mais que eu e amigos cobrassem isso dele. Mas era o jeito do cara e ele viveu e morreu se preocupando com a felicidade de quem estava próximo, longe. Era conhecido por todos que ele podia entregar sua energia para que a pessoa se sentisse bem. Foi sempre assim e tenho certeza de que essa é a definição principal de todos que o conheceram.
Como você define a proposta de Sonho Americano?
Pegar a estrada e viver uma aventura não torna uma pessoa melhor do que a outra, mas o desejo da descoberta, a curiosidade, é inerente na grande maioria da raça humana. É o que nos trouxe até os dias de hoje. Se a viagem é no sofá ou na moto, não importa, a série está aí para isso. Mostramos vida em 12 episódios. De um jeito simples, real, emocional e eterno. Sem ter plenamente essa noção na época, acredito nisso hoje ao ver o Leo rindo por estar vivendo o que ele realmente gostaria de viver. O que veio depois? Quem sabe o que virá depois dessa reportagem ou de um episódio na TV? Viver é o único jeito de enganar a morte. E a morte faz parte de quem está vivo, então, estamos empatados. Melhor não se preocupar com isso.