Um seriado em que um jovem relata a dificuldade de se descobrir ou de conquistar um amor no mundo gay já renderia muito pano para manga. Ou, então, como seria a vida social e profissional de um quase adulto que sofre de paralisia cerebral. Special, série que estreou na última sexta-feira (12) na Netflix, reúne as duas temáticas de forma leve e delicada.
Com oito episódios de 15 minutos cada, é possível conferir a produção em uma sentada. Ryan Hayes (vivido por Ryan O’Connel) sofre com uma paralisia que retardou o movimento de uma de suas pernas e dificulta um pouco seu mundo pós-jovem. Cansado e com uma autoestima surpreendentemente alta, ele decide aceitar um estágio não remunerado em uma agência de textos online para dar voz a sua vida pouco agitada.
Se parasse por aí, a problematização de Special até poderia nos recordar de Atypical (que conta os dramas de um jovem protagonista autista que só quer arranjar uma namorada), mas o protagonismo de O'Connel dá uma tonalidade bem diferenciada por conta seus desafios pessoais. O principal deles é a sua preocupação em conseguir viver sua sexualidade: ele tenta marcar seus primeiros encontros com a ajuda de aplicativos de relacionamento gay.
Sua vida começa a entrar nos eixos com a aparição de Kim (Panum Patel), sua colega na agência que o incentiva a sair de casa e conhecer pessoas, e quando decide morar sozinho - mesmo que seja completamente dependente de sua mãe, Karen (Jessica Hetch, em ótima atuação). Apesar de soarem cruéis e julgadores, os antagonistas de Special conseguem ficar em um segundo plano, já que Ryan conquista o espectador logo de cara.
Debates importantes
Em tempos de Tinder e Grindr, dois aplicativos de relacionamentos, a tecnologia nos dá a sensação de que se tornou muito fácil a vivência de qualquer pessoa com o universo gay. O seriado comprova que nem tanto. A insegurança, o medo de ser julgado, a tensão de um primeiro encontro (mesmo após longas conversas pelo celular previamente) e a dificuldade de lidar com a primeira transa, entre outros temas, estão mais evidentes e são aspectos que Special consegue debater.
Graças à doçura de Ryan, esta reflexão sobre o quanto o mundo gay pode ser perverso fica menos pesado. Sua personalidade deixa o espectador tão próximo de seus pensamentos que a vontade é de adotá-lo ao fim de cada episódio.
Além disso, o medo do preconceito no dia a dia por sua paralisia também é um aspecto sensível e que engrandece o seriado. Quando ele entra na agência, fala aos colegas que perdeu o movimento das pernas por causa de um acidente e não por causa da anomalia - o que é desvendado com o evoluir da trama.
Por esses pontos, Special vale cada minuto assistido. Por ser uma história real - o roteiro de Ryan O'Connell é um relato pessoal -, a trama ganha ainda mais peso e carinho do espectador. É torcer para que uma segunda temporada - com capítulos maiores - sejam lançados em breve.