Trazendo a possibilidade do telespectador escolher os rumos da trama, a série Black Mirror estreou um filme interativo na Netflix na última sexta-feira de 2018 (dia 28 de dezembro). Intitulado Bandersnatch, o longa-metragem permite ao usuário do serviço de streaming decidir que atitude o personagem principal deve tomar em determinados momentos da trama, como qual música ouvir ou qual resposta dar em uma discussão. Há escolhas que são cruciais e encaminham Bandersnatch para um final diferente, ou até o antecipam abruptamente. Na teoria, o espectador não é apenas passivo, mas também um condutor.
A possibilidade de determinar um desfecho do longa-metragem logo remeteu o público brasileiro ao saudoso Você Decide, programa exibido pela TV Globo entre 1992 e 2000, no qual a audiência definia a conclusão de uma história ligando para a emissora.
Há vários meios de narrativas em que o público interfere no destino dos personagens. Um exemplo é o livro-jogo, no qual o leitor encaminha a trajetória dos protagonistas por meio de suas escolhas. Nos videogames, desde os anos 1980 há títulos de full motion video (FMV) - em que o jogador assiste a uma dramatização e escolhe um caminho -, que se aproximam da proposta de Bandersnatch. Games recentes como Life is Strange e Until Dawn (este conta com Rami Malek, o Freddie Mercury de Bohemian Rhapsody) misturam longas cenas de diálogo, exploração de cenário e tomadas de decisões que afetam o desenvolvimento da história.
Na filme de Black Mirror, um livro-jogo chamado Bandersnatch é a inspiração para o game que o jovem programador Stefan Butler (Fionn Whitehead) está desenvolvendo. Ambientada em 1984, a trama do filme se desenrola durante o processo de criação de Stefan. Tendo problemas de relacionamento com seu pai (Craig Parkinson) e inquietações mentais, o jovem programador tem a grande chance de sua vida: seu jogo será lançado pela empresa Tuckersoft, onde trabalha o astro do desenvolvimento games, Colin Ritman (Will Poulter), seu ídolo que também passa a atuar como conselheiro. Stefan trabalha em um título que tem como base as escolhas do jogador. Porém, o protagonista passa a questionar sua realidade, sentindo-se que suas decisões são pré-determinadas por um terceiro - ou seja, quem estiver assistindo ao filme.
Dirigido por David Slade (Menina Má.com e o episódio Metalhead, de Black Mirror), Bandersnatch é essencialmente uma obra metalinguística. O jogo que Stefan desenvolve é como sua vida: sem livre-arbítrio. A ilusão da escolha se estende também ao telespectador, pois o filme induz o usuário a retomar o ponto da última decisão tomada até chegar a um dos finais pré-estabelecidos.
Com mais de cinco horas de material disponíveis na Netflix, a duração de Bandersnatch pode variar conforme a disposição do espectador de explorar os desfechos da trama. Oficialmente, há cinco finais para o filme, mas os fãs já descobriram um outro desfecho alternativo.
Apesar de toda a possibilidade de explorar diferentes versões de uma história, o roteiro de Bandersnatch é fraco e não se desenvolve a ponto de surpreender. O usuário pode perceber no começo da trama que nada daquilo tem como terminar bem, independente do que faça.
De qualquer maneira, Bandersnatch serve para catapultar o formato de filme interativo na Netflix para o público adulto. Antes, já havia duas atrações infantis utilizavam a interatividade: Gato de Botas - Preso num Conto Épico e Minecraft - Story Mode. Em entrevista à Variety, o vice-presidente de produto Todd Yellin disse que há o desejo de explorar o formato em romances, comédias e produções de terror. Ou seja, mais oportunidades para o espectador decidir.