Serro Azul está prestes a receber uma visitante que promete causar. Nos próximos capítulos de O Sétimo Guardião, novela das nove da Rede Globo, escrita por Aguinaldo Silva, a cidade fictícia será cenário do reencontro de Valentina (Lilia Cabral) com um conhecido de longa data: Marcos Paulo, químico que ajudou a construir sua empresa de cosméticos. Ele agora mora em Paris, onde se recupera — todo enfaixado — de uma cirurgia de redesignação sexual, operação conhecida como "mudança de sexo".
A personagem guarda segredos relacionados à antiga amizade e que mexerão com os rumos da trama. No entanto, a surpresa maior deve ocorrer nas sequências do dia 21 de dezembro. Será quando o novo visual de Marcos Paulo, revelado ao público em imagens divulgadas nesta terça-feira (11), levará ao espanto quem o conhecia antigamente. Surge, então, uma mulher elegante que insiste em ser chamada pelo nome de batismo.
Quem dará conta da personagem é Nany People. A atriz possui uma carreira de três décadas de trabalhos no teatro (em peças como Forever Young e Caros Ouvintes), mas vive sua estreia nos folhetins globais, certa de que a oportunidade não surgiu por acaso. O papel seria, inicialmente, de Renata Sorrah.
— Foi um teste de elenco que fiz. Calhou de eu estar no momento certo, na hora certa. Realizamos dinâmicas de leitura e aí vimos que o personagem tinha realmente a ver comigo, com o universo que seria dito, que eu falaria com propriedade — comenta a intérprete.
O vínculo entre criador e criatura em O Sétimo Guardião vai além do texto decorado. A vida de Nany trouxe ainda mais veracidade para a concepção do personagem.
— Ele (Marcos Paulo) se adequou transexual com meia idade, porque viu que era realmente o universo dele. Talvez até como foi no meu caso. Eu era transexual sem saber que era esse o nome. O fato é que eu não me enquadrava como gay — reflete.
A ambição será o ponto forte da história. Marcos Paulo chega em Serro Azul iscado pela proposta de emprego feita por Valentina, para explorar as águas da fonte da juventude. As longas madeixas em nada lembram a aparência do químico desde sua saída do Brasil.
— A madame não está me reconhecendo? —perguntará ao ver a reação imediata da vilã.
— Claro que não. Nunca lhe vi mais gorda — revidará a antiga amiga.
— Sou eu, Valentina querida, o seu Marcos Paulo. Só que agora linda e loira como uma raposa peluda, quer dizer, felpuda.
A cena, que encerrará o capítulo do dia 21, deve ser um dos pontos culminantes no novo desafio da carreira de Nany People — a partir de então, não mais enfaixada nas telinhas.
— Vai ter muito humor, uma de disputa de ironia o tempo todo — adianta a atriz sobre a relação de seu personagem com Valentina.
Nos bastidores
Assim que soube de quem seria colega de cenas, logo vieram lembranças do passado. Nany recorda que, quando ainda morava em Minas Gerais, na década de 1980, foi a São Paulo assistir ao espetáculo Feliz Ano Velho (adaptado do livro de Marcelo Rubens Paiva). No elenco estava Lilia Cabral.
— A sensação que tive quando saí do teatro era de que eu queria fazer aquilo da vida. Quando surgiu a ideia de fazer um papel no qual iria contracenar diretamente com a Lilia, no primeiro dia de workshop, falei para ela: "Não sei se eu acendo uma vela, se eu rezo uma missa, se eu chamo o Samu ou se pego um copo de água doce". E ela falou assim: "Me dá um abraço". Foi uma querida. E maior foi a minha alegria em ver que ela fez uma torcida muito grande para eu entrar no papel — recorda com carinho.
A linguagem mais contida imposta pela atuação na TV em relação ao teatro foi um desafio para a atriz. Ela diz que ainda precisa de conselhos durante as gravações.
— É necessário interpretar sem volume, ter a câmera como olho do espectador. Eu sempre peço alguns toques caso esteja gritando, porque sou muito teatral. O teatro te deixa muito impregnada disso.
De corpo, alma e RG
Umas das recentes batalhas de Nany People foi para substituir o nome de batismo na carteira de identidade. Nascida como Jorge Demétrio Cunha Santos, passaram-se vinte anos na Justiça para que, em 2018, a atriz conseguisse finalmente a grande vitória: no RG agora consta impresso o nome Nany People Cunha Santos.
— Deixou de ser telhado de vidro pra mim. Era uma complicação, um constrangimento não bater o "cara, crachá". Por exemplo, fui fazer show no Japão três vezes. Duas, a produção e os humoristas foram pelo Uruguai, que era mais barato, e eu tive que ir pelos Estados Unidos. Agora passo batida — lembra a atriz. — Tem que ser selado, registrado, carimbado, avaliado e rotulado se quiser voar. Tô voando — brinca.
Em relação à representatividade para população LGBT+ de uma personagem transexual, interpretada por uma atriz trans, Nany acredita que é necessário, antes de tudo, embasamento por parte do intérprete. Para ela, no caso de Marcos Paulo, houve a conveniência e o convencimento necessário para o peso do papel. Mas declara:
— Vivemos no país que mais mata por homofobia e por transfobia. Ter uma atriz trans fazendo a novela do horário nobre, da principal emissora aberta do país, é uma conquista,sim. Eu dou graças a Deus por ter sido escolhida para isso.