A obra do autor Aguinaldo Silva é marcada, entre outras coisas, pelo rol de vilãs inesquecíveis, passando por figuras como Perpétua, de Tieta (1989), Nazaré Tedesco, de Senhora do Destino (2004), e Tereza Cristina, de Fina Estampa (2011). Mérito do texto e, claro, das atrizes. Agora, chegou a vez de Valentina Marsalla se juntar a essa poderosa lista das malvadas de Aguinaldo na próxima novela das 9, O Sétimo Guardião, que estreia nesta segunda (12) na Globo. Ao ouvir essa observação durante a entrevista, Lília Cabral, que dará vida a Valentina, mesmo com toda sua trajetória irretocável como atriz, não esconde o frio na barriga.
— Quando você fala que ela tem tudo para ser como as outras vilãs do Aguinaldo, isso já me remete a uma responsabilidade muito grande, porque as vilãs dele ficam eternizadas — diz Lília, por telefone, do Rio, em um dos intervalos de gravação da novela. — Todo mundo lembra da Perpétua, da Nazaré, da Altiva, todas aquelas nas quais ele colocou seu maior veneno nos personagens. Elas surpreenderam, e as atrizes arrebentaram. Então, entro nessa história com essa responsabilidade — considera a atriz.
Valentia Marsalla será a primeira vilã da carreira de Lília Cabral. É que, apesar de toda a amargura que carregavam suas personagens Marta, em Páginas da Vida (2006) e Maria Marta, em Império (2014), Lília não as considera vilãs. A constatação surpreende: por que só agora apareceu uma vilã para ela?
— Já pensei, mas não sei. Para mim, as coisas aconteceram e acontecem quando têm que acontecer. Lógico que a gente pensa na vilã. Mas fazer uma vilã da carochinha não quero, não — diverte-se.
De fato, da maneira como Valentina foi construída, de malvada de história infantil ela não tem nada. Moradora de Serro Azul, Valentina foge da cidade depois de ser abandonada no altar pelo noivo, Egídio (Antonio Calloni) — que, para se tornar um dos guardiões do segredo da fonte local, não pode se casar. Grávida dele, sem que ele saiba, a mulher promete nunca mais voltar. A versão mais jovem de Valentina será interpretada pela filha de Lília, Giulia, que fará uma participação especial.
Em São Paulo, a personagem se torna uma das grandes empresárias do ramo de cosméticos. E só consegue ver no filho, Gabriel (Bruno Gagliasso), um meio de conseguir tirar vantagem de alguma forma: seja na cidade grande — ela quer que Gabriel se case com a herdeira de uma fortuna —, seja em Serro Azul, para onde parte o filho, passando a integrar o grupo dos sete guardiões.
— Ela volta à cidade para se vingar. Vai atrás do filho, mas o que ela mais quer é se vingar, e, quando chega lá e descobre que existe uma fonte que pode torná-la mais rica do que já é, então vai pensar nela mesmo e não vai medir esforços para conseguir o que deseja —descreve Lília.
Em recente entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Aguinaldo Silva descreveu Valentina como seu "personagem mais extremado": afinal, neste momento em que não se pode falar tanta coisa, ela fala tudo. Para fazer esse exercício do sem papas (e sem filtro) na língua, Lília conta que, depois que leu a sinopse da novela, começou a entrevistar essa mulher da ficção.
— Passei a falar as maiores barbaridades na minha entrevista. Escrevi umas cinco páginas, as coisas mais absurdas que uma pessoa pode falar. Como ela é uma empresária de produtos de beleza, posso mexer com o universo feminino, o que eu penso da mulher, o que eu penso das atrizes, das cantoras, quem faz botox. Então, tudo isso passava pela minha cabeça, e eu, na maior sinceridade, ia escrevendo e falando. Assim, foi formando a minha naturalidade em dizer as coisas mais absurdas que tem no texto — conta a atriz paulistana, de 61 anos, que também buscou referências em filmes sobre jornadas de vingança, como Kill Bill.
É bem verdade que os vilões têm licença para fazer — e falar — praticamente o que quiserem, diferentemente dos mocinhos. Mas, em tempos em que uma fala ou brincadeira, dependendo de seu teor, pode ser considerada ofensiva ou inapropriada, existe alguma preocupação com o texto de Valentina?
— Nem me preocupo, o Aguinaldo, como jornalista, jamais seria louco de falar ou escrever qualquer coisa que machucasse. Acho que é muito mais em cima do que vivemos, do nosso dia a dia, do que está acontecendo. Tem coisas que muita gente pensa e não fala, e a Valentina é uma personagem muito dissimulada, porque, na frente, ela pode ser tudo o que ela quiser, mas, por trás, ela é o que realmente é. Quando a pessoa é ruim, a primeira coisa que ela é: dissimulada. As pessoas vão conhecendo a Valentina aos poucos, cada capítulo tem uma característica. Quando ela chegar a Serro Azul, as características todas já foram reveladas.
Falsa, porém com doses de humor, a exemplo de outras vilãs do autor. O que Valentina vai destilar, sobretudo, em cenas com seu funcionário, o químico Marcos Paulo, vivido por Nany People — que, depois de algum tempo afastado de sua chefe, vai retornar triunfal... como mulher.
— Valentina traz ele de volta, e os dois passam a conviver. Ela diz: "você é gay"; e ele: "não, agora sou mulher". E ela: "não, você continua gay".
A parceria de Aguinaldo e Lília é antiga. Vem desde Vale Tudo, de 1988.
— Ele escrevia muito a Aldeíde (sua personagem na novela). Depois, em Tieta, fiz Amorzinho, Pedra Sobre Pedra. Mas conheci o Aguinaldo mesmo, mais próximo, quando ele me chamou para fazer Fina Estampa. E eu vinha de uma novela do Manoel Carlos, Viver a Vida, em que eu fazia uma mulher chiquérrima, vinha de uma personagem totalmente glamourizada. Quando ele me chamou para fazer Fina Estampa, falei: "que delícia é você saber que tem um autor que te olha dessa forma, porque, às vezes, você fica com estigma".
Para ela, Valentina é outro presente do autor.
— Sou muito agradecida ao Aguinaldo, porque fui muito feliz em todos os personagens que ele me deu.