Não tenho nada contra autoconfiança, pelo contrário, tanto que estou aqui, sem a menor experiência em cozinha, comentando um reality show culinário. Acho, inclusive, que esse é um pré-requisito mínimo e básico para ingressar em uma competição que traz incrustada no nome a ambição de grandeza. O problema surge quando ela cede espaço para sua gêmea perversa: a arrogância. O problema é se achar melhor do que é e melhor do que os outros.
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Daí que tenho uma sugestão de programa para os participantes do MasterChef profissionais: nesta noite de quarta-feira, assistam às partidas da Copa do Brasil, ou pelo menos às entrevistas dos jogadores no intervalo e no pós-jogo. Provavelmente, serão servidas lições de humildade, a começar pelo não uso da primeira pessoa e pelo respeito ao adversário, por pior que esteja.
Mas isso é o que diz o meu lado gerente de RH. Como espectadores, creio que muitos de nós queremos ver a cozinha pegar fogo, no bom sentido. Queremos atritos, queremos querelas, queremos ilusões descascadas como se fossem bergamotas em uma tarde de inverno.
E essa tem sido uma especialidade da casa no MasterChef profissionais. A audiência mais atenta já percebeu um truque de edição calcado na tradição da dramaturgia, o de reverter expectativas: quando um concorrente está todo pimpão com seu prato, é quase certo que será espinafrado pelos jurados; quando um competidor está todo borrado, é quase certo que se safará. (Evidentemente, como são espertos, os responsáveis pelo programa de vez em quando revertem as expectativas mesmo de quem já pescou a estratégia.)
Exemplo bem-acabado foi o episódio desta terça-feira – novamente, tenso pra caramba; novamente, longo pra caramba (terminou depois da 1h, por isso me desculpem por ter publicado tão tarde da manhã este texto). Na primeira prova, os candidatos eram obrigados a usar pelo menos três ingredientes da caixa misteriosa: pé de galinha, pescoço de galinha, cabeça de peixe, osso com tutano, pele de frango, casca de laranja, casca de cebola, folha de beterraba... Só coisa que costuma ser desprezada. Dayse sentiu-se perdida, estava atônita, não sabia por onde começar com aquele xepão – acabou ficando entre os três melhores. Marcelo deu pulinhos de alegria, ficou alucinado, disse que se habituara a esses ingredientes na Europa e que seria a oportunidade de cozinhar como ele gosta, "misturando muitas técnicas em um prato só" – foi um dos mais criticados.
– Você fez tudo isso para apresentar só isso? – detonou Jacquin. – Coisa mais ridícula! Você imagina servir isso num restaurante?
– Sim – respondeu Marcelo.
– Então a gente nunca vai trabalhar junto.
Ivo foi outro a achar que o jogo estava ganho – mas ferveu a cabeça (a dele próprio, não a do peixe) ao ouvir o veredicto do chef Fogaça:
– Ficou esquisito. Tudo misturado... Parece um vômito.
Luiz Filipe, a quem falta modéstia, acreditou que sua versão do Mare e Monti não ficaria entre os destaques negativos. Fogaça questionou seu conceito de beleza, e Jacquin classificou como "horrível" a textura.
Discretos, comedidos em autoelogios, Fádia e Dário subiram ao mezanino com Dayse para assistir a uma excruciante prova de eliminação. A tarefa era fazer um bolo Ópera, um clássico da pâtisserie francesa, com oito camadas de biscoito, creme e ganache distribuídas em uma altura de três centímetros e meio. Missão praticamente impossível, pois, como Jacquin disse, cozinha e confeitaria são mundos diferentes.
Um dos mais assustados era Ivo. Mas, dito e feito, o pernambucano radicado em Curitiba acabou sendo um dos dois melhores. Com 20 anos de experiência, soube encontrar a calma necessária, soube corrigir seu erro inicial e soube evoluir – chegou a brincar que deixaria de ser cozinheiro para virar confeiteiro, o que não deixou de soar como mais uma rima de autoconfiança com arrogância. Quem venceu foi Marcelo, que emocionou rivais e jurados ao dedicar o triunfo a seu pai, morto em seus braços, de infarto (mas foi uma dedicatória meio desabafo: Marcelo contou que o pai não acreditava muito na profissão de cozinheiro).
Priscylla era outra desesperada. Pediu ajuda ao mezanino e mesmo para seus adversários. Pela edição do programa, achei que ela nem conseguiria entregar o Ópera. Mas quem dançou foi Rodrigo, que parecia seguro, por ter feito primeiro os recheios, que dão mais trabalho. Pena: o MasterChef perde um de seus mais carismáticos personagens, bem-humorado, intuitivo e com uma razoável dose de humildade.
Bom, se você ainda está lendo, deve ter percebido que faltou citar um concorrente. Digamos que eu também sei alguns truques de edição, como guardar uma carta na manga para o final do texto. Essa carta tem nome e sobrenome: João, o Insuportável.
O professor pernambucano é a encarnação da arrogância. Já na estreia, desacatou a chef Paola, descumprindo as ordens da argentina em uma prova coletiva. João está sempre se gabando de seu conhecimento técnico, sempre se achando o máximo – e quase nunca ficando entre os melhores de cada prova. No episódio de terça, ainda reclamou da vitória de Marcelo, que, segundo os jurados, fez um bolo assimétrico, mas saboroso.
_ Sobremesa não é só sabor, é estética _ professorou.
Aff...
E eis o dilema (o meu e, acho, de muitos de nós): torço sempre contra ele, mas se o João for embora, a quem vamos odiar?