— Ah, esse é clássico!
Quem nunca ouviu, certamente já proferiu a frase acima. Seja para qualificar um filme, um livro ou um álbum de música, este adjetivo, "clássico", vem como forma de enaltecer determinada obra e ressaltar a sua importância na história. É, também, praticamente, uma intimação para que alguém que nunca viu, leu ou ouviu, faça-o imediatamente.
Mas, afinal, o que faz de uma obra um clássico? É o seu sucesso instantâneo de crítica? A sua popularidade? O dinheiro que rendeu aos artistas envolvidos? Os prêmios conquistados? Bom, podem ser todos estes elementos. E, surpreendentemente, pode ser nenhum.
Cidadão Kane (1941), por exemplo, considerado um dos longas-metragens mais importantes de todos os tempos, não foi tão bem de bilheteria em seu lançamento e, das nove indicações que teve ao Oscar, venceu apenas em uma, de melhor roteiro original. Perdeu a estatueta de melhor filme para o pouco lembrado Como Era Verde o Meu Vale (1941).
Então, o que levou o longa de Orson Welles a se tornar esta referência do audiovisual? Entre vários pontos, destacam-se as suas qualidades técnicas inovadoras e a questão de abordar um tema universal. Pelo menos, é o que acredita Bianca Zasso, crítica de cinema e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine).
— O filme tratar de questões de família ou amizade, por exemplo, é um ponto essencial. Esses temas costumam aparecer em vários títulos considerados clássicos. Até mesmo O Poderoso Chefão é um filme sobre família. Tem a questão da máfia, mas o que prende mesmo o público são as relações de pai e filho, de marido e mulher — explica Bianca.
Esta questão de trazer um tema que seja palpável e que converse com todos os públicos também é um elemento importante para a criação de clássicos na literatura. De acordo com o diretor do Instituto de Cultura de PUCRS, Ricardo Barberena, os livros que conseguiram a façanha de se tornarem obras perenes na trajetória da humanidade abordam, justamente, as questões que são permanentes na jornada humana:
— O roubo do conhecimento pelo Prometeu, a questão do amor que leva ao ódio de Medeia, o absurdo de Kafka. São textos que conseguiram representar forças que estão dentro da interioridade humana e que vão tendo diferentes visões ao longo dos tempos, mas que há um núcleo de dores e delírios da nossa jornada. Isso, acho que é mais ou menos estável, porém, sempre presente.
Colocados à prova pelo tempo
Os elementos acima, sim, são muito importantes. Porém, um ponto é o mais crucial para determinar se uma obra, de fato, vai se tornar um clássico: o tempo. É ele quem coloca o filme, o livro ou a música em seu devido lugar na progressão da história. Este distanciamento, muitas vezes, pode ser importantíssimo para que uma obra possa ser compreendida em sua totalidade — não é incomum ler que algum artista era "à frente de seu tempo". Mas, também, é com a passagem das décadas — ou, até mesmo, séculos — que se observa se a obra conseguirá perdurar.
— Não diria que nenhuma das músicas feitas nos últimos seis, sete discos do Caetano Veloso são clássicos. Ou do Gilberto Gil. Ou do Chico Buarque. Porque elas vão precisar ser curtidas pelo tempo. Precisa ter esse aval. Um dos componentes para se poder atribuir a palavra clássico a uma música é o atravessar gerações — reflete Juarez Fonseca, jornalista especializado em música e colunista de Zero Hora.
Desta forma, sempre que uma crítica, seja de cinema, literária ou musical destaca a frase "surge um novo clássico", de acordo com os especialistas consultados nesta matéria, é bom ficar atento. A banalização do adjetivo pode esvaziar o seu sentido.
— A palavra "clássico" foi contaminada completamente, porque estão dizendo, hoje, que qualquer porcaria é clássico, só porque foi sucesso. Eu não concordo. Na época do Antonio Vivaldi e do Ludwig van Beethoven não chamavam de música clássica aquilo que eles faziam. Veio posteriormente — ressalta Fonseca, apontando que a qualidade é o elemento que fixou estas obras no tempo e as classificou como clássicos.
O que vai ser clássico?
O que é feito hoje? Alguma obra tem chance de se tornar um clássico com o passar dos anos? Segundo os especialistas, é muito difícil de prever, principalmente pela enxurrada de conteúdo que é entregue nos dias de hoje — o que pode, talvez, soterrar algum título com potencial.
— Existem muitos autores que, talvez, possam não ser discutidos, porque a demanda é muito grande. A democratização da publicação é muito boa, mas, por outro lado, tem a questão da atenção. Tanto é que, hoje, a palavra mais clichê que se usa é curadoria. Então, pode ser que um clássico contemporâneo fique esquecido. Esse fio de não acontecer, de não ser conhecido, é um perigo iminente — aponta Barberena.
Bianca Zasso também levanta a discussão de que as obras de hoje são pensadas para conversar com o momento atual, surfar no famoso hype, e que isso pode ser um dificultador para que, a longo prazo, determinado título siga relevante. Na era do conteúdo sobre demanda, ainda, existe a questão de que os filmes, por exemplo, não são mais vistos na TV aberta, com a repetição, e isso pode levar a que obras caiam no esquecimento:
— Me perguntaram se Barbie e Oppenheimer se tornariam clássicos e eu disse que o burburinho que rolou com o Barbenheimer é inegável. Porém, daqui a 10, 15 anos, a gente tem que olhar para esses filmes e esquecer esse burburinho e se perguntar se eles fazem sentido para um espectador que não viveu o fenômeno. Hoje, para nascer um clássico, a gente tem pensar se um filme funciona fora do multiverso criado no momento de seu lançamento.
Barberena complementa:
— Um clássico é como se fosse uma obra aberta e, a cada período, a gente acha novas portas, novas entradas, para que estes textos sejam uma espécie de oráculo da nossa jornada do entendimento humano. O clássico vai se reatualizando a cada leitura e trazendo múltiplas possibilidades de respostas para as nossas perguntas. E é por isso que não esquecidos. Um clássico permanece.