O cenário artístico gaúcho enfrenta mais uma grande perda. Morreu, na madrugada desta segunda-feira (14), em Porto Alegre, o artista plástico Fernando Baril. A família acredita que tenha sido uma morte súbita, já que o pintor não tinha sérios problemas de saúde.
Baril tinha o costume de pintar diariamente. Conhecido por suas obras, inspiradas no cotidiano e que faziam críticas sagazes à sociedade, o artista vivia apenas da arte há várias décadas, conta o historiador da arte e amigo próximo José Francisco Alves. A rotina operária, de produzir diariamente, resultava em cerca de 30 quadros por mês.
— Ele era um ícone dos artistas profissionalizados. Todo artista sonha em viver da própria arte e poder produzir o tempo inteiro, e era isso que Baril fazia. São poucos que vivem essa realidade, e ele conseguiu isso. Tinha um grande mercado de encomendas e era muito popular entre outros artistas — relata.
Alves foi o curador responsável pela mostra em Baril’70, de 2018. A exposição, em comemoração aos 70 anos de Fernando Baril, reuniu quase 200 obras do artista nas pinacotecas do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs).
Carreira
Baril começou a pintar no final da década de 1960. Despontou como artista no início dos anos 1980, quando retornou de uma temporada em Madri, onde estudou pintura na conceituada Real Academia de Bellas Artes de San Fernando. Começou a expor e a lecionar, formando inúmeros pintores gaúchos, sem deixar de aprimorar sua própria técnica constantemente.
Seu percurso poético começou com telas abstratas em tons sóbrios e gradualmente foi incorporando figuras em quadros muito escuros para então desembocar no estilo pelo qual Baril é conhecido: pinturas figurativas, alegóricas e coloridas que comentam o cotidiano. Em entrevista a GZH, na véspera de inauguração da mostra Baril’70, o pintor comentou sobre o estilo de pintura.
— Peguei uma pitada de cada movimento da arte moderna, surrealismo, realismo, impressionismo. Meus amigos dizem que sou pós-moderno — afirmou.
Queermuseu
Em 2017, o artista ficou em evidência por causa da polêmica exposição Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira. As acusações de que trabalhos desrespeitavam símbolos de culto religioso resultaram no fim precoce da mostra.
A denúncia de profanação repousava sobre mais de uma obra. A mais citada, no entanto, principalmente no vídeo que deu início à polêmica, é Cruzando Jesus Cristo com Deusa Schiva, tela de Baril de 1996.
— Mas aquela obra não era uma crítica ao cristianismo. Muito pelo contrário, era uma crítica ao consumismo — defende Alves.
Na tela, a figura de Jesus crucificado recebe diversos braços extras, como a deusa hindu Shiva, em que são adicionados elementos referentes à cultura ocidental, à cultura pop e ao consumismo. As denúncias usam como base o artigo 208 do Código Penal, em que "vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso" é tipificado como crime.
Vida pessoal
Baril vivia no centro de Porto Alegre, sozinho. O artista nunca foi casado e não tinha filhos. A rotina girava em torno da arte. Quando não estava pintando, buscava informações para abastecer a criatividade e, então, poder criar. Alves conta que costumava se encontrar semanalmente com Baril.
— Toda vez que eu ia para o Centro, ia visitá-lo. Eu entrava no atelier dele para ver os últimos trabalhos, e às vezes íamos ver exposições juntos. Conversávamos muito sobre arte e sociedade, já que o meio artístico é o assunto preferido dos artistas — lembra.
Apesar de não ter com descendentes diretos, o artista era bastante próximo do sobrinho, Salomão Schames Neto.
— Ele era um pai para mim. Tivemos uma relação muito bonita de pai e filho, com muita troca, cuidado e aprendizado. Ele também era dindo da minha filha, Eduarda. Ele pintou a vida inteira dela. Todo ano, tinha quadros novos sobre a vida dela. Aliás, a última obra que ele estava trabalhando, era para ela — conta o sobrinho.
Baril deixa Salomão, a esposa do sobrinho, Ana e a afilhada, Eduarda. Deixa também uma irmã e uma outra sobrinha com quem não mantinha contato.
*Produção: Yasmim Girardi