Prolífico, o artista Fernando Baril pinta diariamente quadros inspirados no cotidiano. Nesta época de ruas vazias e negócios fechados, seu estilo de vida mudou pouco, já que sempre trabalhou na própria casa cumprindo jornadas de até 13 horas por dia. Mas as últimas pinturas passaram a incorporar novos elementos: máscaras e álcool gel.
– Máscara é uma coisa muito chata de usar, comecei a ver todo mundo usando, e concluí: é a estrela da situação, ela e o álcool gel – diz o artista, conhecido por misturar crítica e senso de humor. – Um amigo me disse que as mãos já estão ficando trêmulas com tanto álcool gel! Recomendei levar nos alcoólicos anônimos quando o isolamento terminar.
Apesar da tristeza por ver a cidade sem vida e da preocupação com as mudanças que ocorrem tanto numa escala global quanto no mercado cultural de Porto Alegre, Baril garante que está levando o confinamento com bom humor. Aos 72 anos, segue antenado às notícias, que viram matéria-prima das pinturas.
– Sei que tem muita fake news e politicagem, mas consigo fazer uma triagem do que me interessa – pontua.
A informação, de fontes confiáveis, é uma importante arma contra o medo, que tende a aumentar quando as pessoas são expostas a notícias contraditórias, falsas ou tendenciosas. Porém, mesmo quem está acostumado às notícias e tem métodos para processá-las precisa dosar a exposição a elas. É assim com o jornalista e escritor carioca Ruy Castro, que conta como tem sido seu confinamento:
– As quatro crônicas que faço semanalmente para a Folha de S. Paulo me obrigam a acompanhar minimamente o noticiário para bolar o que escrever. Mas cortamos quase totalmente a televisão, só assistimos à noite. Não faz bem à saúde se deixar intoxicar pelas idas e vindas do Bolsonaro e pelas contínuas estatísticas de mortes, o que dá na mesma.
O escritor de 72 anos está em isolamento junto da esposa desde 13 de março. E, como Baril, mantém-se ocupado com trabalho e lazer:
– Estabelecemos rotinas profissionais, domésticas e de lazer, e, com isso, o dia passa rápido. Estou trabalhando em três livros ao mesmo tempo, ela também está escrevendo uma série de programas de rádio, e voltamos a ler furiosamente, o que é maravilhoso. Ela bota diariamente no Facebook e no Instagram os vídeos que estamos gravando, com cada um lendo um poema ou um trecho em prosa. O pessoal está gostando. E há as muitas solicitações de entrevistas, como esta. Entre uma e outra coisa, nos dedicamos a observar nossos gatos e aprendemos com eles, que são uns sábios.
Apesar de ser idoso, um dos principais grupos de risco para a covid-19, Castro diz não estar muito assustado:
– Já passei por graves problemas de saúde, superei todos e me acostumei a riscos.
No entanto, o escritor tem uma dolorosa compreensão do que está acontecendo. No ano passado, lançou o livro Metrópole à Beira-Mar: O Rio Moderno dos Anos 20, que abre com uma descrição detalhada do impacto provocado pela gripe espanhola em 1918 na então capital do Brasil. "As aglomerações foram desestimuladas e, com isso, a vida desapareceu", diz um trecho que poderia ser aplicado à atualidade. Os quatro anos de pesquisa histórica e escrita do livro deixaram uma lição que ele compartilha:
– Aprendi como é importante a solidariedade. Na Espanhola, na impossibilidade de os médicos, enfermeiros e até coveiros darem conta do recado, muitas pessoas se apresentavam para ajudar. Tem a história do homem que confiscou um bonde para transportar os cadáveres para o cemitério, um autêntico, mas lindo, bonde-fantasma. O que o pessoal da saúde está fazendo hoje é de transformá-los em santos modernos.
No final de outubro de 1918, as pessoas já estavam imunes e a gripe foi sumindo. A tragédia antecipou um período riquíssimo da história do Brasil, os anos 1920, e foi superada com uma grande festa: "O Carnaval de 1919 seria o da revanche – a grande desforra contra a peste que quase dizimara a cidade", escreve Ruy Castro.
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