— Todos adoram heróis. Querem vê-los, torcem por eles, chamam seus nomes. E, anos depois, contam como esperaram horas na chuva só para ver quem os fez aguentar mais um segundo. Acredito que há um herói dentro de todos nós, que nos mantém íntegros, nos dá força, nos enobrece — diz tia May (Rosemary Harris) em um poderoso discurso em Homem-Aranha 2 (2004), um dos mais aclamados filmes de super-heróis de todos os tempos.
Claro que, na vida real, não existem seres humanos com superpoderes, mas muito da essência desses personagens fantásticos consegue atravessar a barreira das páginas dos quadrinhos ou das telas de cinema para habitar nas pessoas reais, dando-as, até mesmo, uma espécie de superforça, ajudando-as, muitas vezes, a "aguentar mais um segundo". E, por conta disso, alguns fãs decidem que querem levar aquele herói consigo, para poder acessar a sua fonte de inspiração sempre que precisarem.
Esse foi o caso de José Gabriel Diel, motoboy de Porto Alegre, que tatuou em seu braço direito o Homem-Aranha. O personagem da Marvel, ídolo desde a infância do rapaz, tornou-se ainda mais simbólico em sua vida quando o primeiro live-action foi lançado, em 2002. A morte do tio Ben (Cliff Robertson) e como Peter Parker (Tobey Maguire) enfrentou aquela perda lhe deu forças para superar um momento tão difícil quanto em sua vida.
— Era a adolescência dele e eu perdi a minha mãe na adolescência também. Eu tinha 15 anos. Ele recém estava descobrindo os poderes dele, foi bem pesado, mas não deixou isso o desanimar. Eu também tive que achar forçar pra seguir em frente com a perda da minha mãe. Isso me tornou uma pessoa bem mais forte, não é qualquer coisa que me abala agora — conta Diel, que estava se preparando para ir buscar a filha para ir ao cinema assistir, justamente, Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021).
O motoboy conta que, sempre que olha para a tatuagem que acabou de fazer no braço, relembra de sua juventude "bem pesada", mas que conseguiu superar. Por isso, não se arrepende da decisão, apesar da dor que sentiu para fazer o personagem colorido. O herói foi o seu segundo desenho eternizado na pele. O primeiro foi o do pé de sua filha.
— Só coisas que quero marcar para sempre — explica, orgulhoso de sua nova tatuagem.
Nostalgia
A reportagem conversou com três tatuadores para entender o motivo pelo qual as pessoas buscam estúdios para marcar na pele personagens da cultura pop e o trio foi unânime ao destacar uma palavra: nostalgia. Dentro deste cenário, os desenhos mais escolhidos pelos fãs são dos universos dos animes, da Marvel, da DC, de Star Wars e de Harry Potter. Todos com heróis que se sacrificam pelo bem maior.
— Quem vai ao estúdio atrás deste tipo de tattoo, geralmente, é para relembrar de sua infância, de uma parte boa de sua vida — destaca o tatuador Adriano Vianna, que tem 11 anos de profissão e, há nove, trabalha no estúdio Verani Tattoo, na Capital.
E, ao ser escolhido para eternizar algo tão importante na vida de uma pessoa em sua pele, Vianna reforça que "a pressão é grande", mas que ele domina a técnica e, além disso, curte o trabalho que faz. Assim, soma-se o desejo do cliente e o dele próprio pela melhor tattoo.
— Estou passando para a pele dele o que eu queria ter na minha — garante.
Tatuando há três anos, Thainá Souza, do estúdio Aghata 33, de Canoas, sempre quis trabalhar com desenhos geeks e, após ouvir do dono do antigo local em que atuava que não iria conseguir se destacar com tattoos de personagens, ela, que enfatiza ser movida "na base do ódio", decidiu mergulhar com tudo neste meio. E, de acordo com ela, foi um acerto, pois está em alta.
— Gosto muito da fantasia que o personagem passa pra ti — ressalta a tatuadora, que carrega consigo uma paixão pelo mundo da Disney. — E o público que vai ao estúdio tem um equilíbrio muito grande entre nostalgia e a questão da personalidade, da identificação com o personagem. Então, por isso, tem uma carga muito grande e sou obrigada a superar as expectativas.
Já Jeison Dornelles, dono do estúdio Tattooine, também de Canoas, diz que sempre foi "meio nerd" e fã de Star Wars — por isso, inclusive, que o nome do espaço remete ao planeta em que Luke Skywalker cresceu. E, ao observar que não existia um local totalmente dedicado a tatuagens de personagens da cultura pop, decidiu que o seu empreendimento seria assim.
— É muito massa eternizar alguma coisa que marcou a infância da pessoa. E tem vezes que nem é nostalgia, mas um personagem em que a pessoa se enxerga. Pega o Naruto, por exemplo, que é um personagem que nunca desiste, daí o cara tem esse pensamento e quer fazer ele — conta Dornelles.
Enfeite da alma
Natarine Petry, estudante de Engenharia Química, sempre foi muito fã de Bob Esponja Calça Quadrada e, ao mesmo tempo, cresceu em uma família alérgica a gatos. Por isso, ela não conhecia o animal. Um dia, perguntou para a sua mãe o que o bichinho de estimação do protagonista da animação era e recebeu como resposta "um gato". Na verdade, era um caracol.
Na cabeça de seis anos de Natarine, a criaturinha da TV era o felino que ela não conhecia. E sempre que os colegas na escola falavam de gatos, ela sonhava em ter um também, afinal, ele levava a casa nas costas e deslizava pelas paredes. Porém, alguns anos depois, descobriu, em um livrinho do colégio, que gato não era caracol, e ficou extremamente decepcionada. A confusão, porém, rende muitas risadas até hoje.
— Por isso, quis tatuar o Gary, para marcar essa história e porque sempre gostei muito de Bob Esponja. Foi um desenho que marcou a minha infância e gosto das histórias por trás, como as de aceitação, que só depois de grande a gente nota — explica.
Mas, além do desdobramento hilário da explicação meio preguiçosa da mãe, Natarine, que mora em Viamão, afirma que a tatuagem de Gary ficou do jeito que sonhou e, também, que consegue se identificar com o gato... Quer dizer, caracol.
— Gosto demais dessa personalidade do Gary, que ele é bravão, mas, quando está só ele e o Bob Esponja, é tipo todo queridinho, quer receber um carinho. E sou ariana e sou bem assim — conta, aos risos.
Já Bruna Vieira Girald, desde que assistiu à clássica animação do Studio Ghibli A Viagem de Chihiro (2001), percebeu que aqueles personagens que ela via na tela não faziam parte de um entretenimento passageiro. A auxiliar administrativa sentiu que havia uma conexão entre ela e o filme de anime. E foi tão forte que ela decidiu que eternizaria a protagonista, Chihiro, e o dragão Haku na pele.
Segundo ela, os filmes do estúdio japonês apresentam uma mensagem de paz, um "conceito meio budista" de que é preciso parar por um momento para apreciar as coisas à volta, os detalhes da vida, algo que as produções ocidentais não fazem. Ela conta que assistiu à animação quando já era adulta e, por isso, já tinha maturidade para enxergar esses detalhes na produção e, também, conseguir se relacionar emocionalmente com a heroína do longa.
— A Chihiro está em uma situação complicada da vida e tem que encontrar forças para lutar. Isso impulsiona a gente a enxergar que tem que ter calma para resolver os problemas. Em vários momentos, ela chora, se desespera, mas encontra dentro dela uma força que nem ela sabia que existia, de trabalhar, de se esforçar, para sair daquela situação. E me identifiquei muito com isso — reflete Bruna.
Ela ainda conta que, toda vez que olha para a tatuagem, uma sensação de alegria toma conta e, com isso, passa a dar mais atenção para as coisas bonitas da vida e deixa de ficar apenas dando foco para os problemas do dia a dia.
— Tatuagem é sobre alegria, um amor contigo mesmo. É um enfeite da alma. Tu quer enfeitar a tua casa. E sou a minha casa, sou o meu templo — completa.