Caetano Veloso, Daniela Mercury e Wagner Moura participaram na terça-feira (14) de uma audiência pública da Organização dos Estados Americanos (OEA) para discutir denúncias de censura no Brasil. O evento foi organizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão independente da entidade, a partir de um pedido do Movimento Brasileiro Integrado pela Liberdade de Expressão Artística (Mobile).
Conforme informações do jornal O Globo, um relatório apresentado pelo Mobile reuniu cerca de 170 denúncias referentes a trabalhos "censurados" no Brasil desde 2019, quando começou a gestão do presidente Jair Bolsonaro. Na audiência, os três artistas compartilharam com a comissão suas "experiências e reflexões sobre as violações de liberdade de expressão artística em curso no Brasil" e acusaram o atual governo de ataques à liberdade artística.
Em vídeo, o ator e diretor Wagner Moura relatou as dificuldades para o filme Marighella estrear por questões burocráticas envolvendo a Agência Nacional do Cinema (Ancine). De acordo ele, a produção havia sido contemplada com recursos federais antes da atual gestão, mas teve dois pedidos "corriqueiros" "inexplicavelmente negados" após a eleição de Bolsonaro.
— Tenho dito publicamente que o filme que eu fiz foi vítima de censura por parte do governo federal — comentou. — O caso do Marighella é um filme sobre um personagem da história o Brasil com o qual o presidente não concorda — acrescentou sobre a cinebiografia do guerrilheiro baiano morto pela ditadura militar.
Também por vídeo gravado, Caetano Veloso relembrou de quando ele e Gilberto Gil foram presos em 1968 após a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que endureceu a repressão. O artista afirmou que é necessário lutar contra "onda antidemocrática", '"defendendo a liberdade de expressão e a variedade de criação artística".
— Acho que o mundo vai ter que lutar muito para superar esse fenômeno — pontuou.
Já Daniela Mercury afirmou que a democracia está sob ataque de líderes populistas em todas as regiões do mundo e considerou que o Brasil se "autocratizou". Para a cantora e ativista dos direitos humanos, "a nova política pública inaugura um tipo inédito de censura, que impede a livre manifestação artística ao sonegar o financiamento público" para projetos culturais.
Representantes da CIDH se mostraram preocupados durante a sessão. Jan Jarab, membro regional dos Direitos Humanos das Nações Unidas, comentou que as restrições financeiras impactam os direitos culturais, o que dificulta "o funcionamento da democracia".
— Liberdade de opinião e expressão no Brasil é afetada pelo contexto, que inclui a polarização política, o conflito estrutural e a falta de diálogo entre autoridades e sociedade civil. Recomendamos que sejam tomadas medidas para evitar o cerceamento do setor cultural brasileiro.
O secretário nacional de Incentivo e Fomento à Cultura, André Porciúncula, falou em nome do governo federal e considerou que as acusações são uma reação à "revolução popular" que a gestão Bolsonaro estaria fazendo no setor depois de vetar verbas de projetos culturais criados pelo que ele chamou de "uma pequena elite empresarial".
— Antes (da gestão Bolsonaro) estava restrito a uma pequena casta, uma pequena elite empresarial, que utilizava de todos os tipos de argumentos vagos e abstratos para manter esse monopólio. Então o que o governo fez, foi de fato, uma revolução popular, uma democratização real dos recursos públicos da cultura e que afetou apenas essa elite que estava acostumada a monopolizar esses recursos — justificou Porciúncula, acrescentando que as medidas tomadas pelo governo federal tentam "resgatar a cultura do palanque político e ideológico" e "devolver essa cultura para o homem comum".