Artistas que escolhem se apresentar na rua não necessariamente fazem isso por falta de opção. Essa decisão de mostrar serviço a céu aberto, sujeito às intempéries e à reação nem sempre acolhedora dos passantes, não raro, é consciente. Uma atitude idealista de ocupar áreas comuns como espaço para democratizar a arte, colocar cultura no cotidiano atribulado da urbe. A série Buscando Buskers intenta mostrar essa procura por liberdade em expressar-se. Indo para a terceira temporada, a atração exibida pelo canal pago Music Box Brazil passou por Porto Alegre entre o fim de novembro e o começo de dezembro captando imagens de músicos que encontram nos logradouros públicos o palco para seu trabalho.
Seis representantes locais foram selecionados para protagonizar a série: Conjunto Bluegrass Porto-Alegrense, Cartas Na Rua, Grupo Naquele Tempo, Negra Jaque, Bate & Sopra e Valéria Barcellos (saiba mais sobre os escolhidos ao fim do texto). Conforme a paulista Catarina de Castro, integrante do projeto desde o início e diretora da terceira temporada, esta foi a primeira vez que a equipe conseguiu sair da terra da garoa para filmar em outras partes do país. Além da capital gaúcha, Brasília também entrou no roteiro. E, talvez, novos destinos sejam acrescentados.
— Em São Paulo, tem um monte de artista de rua gaúcho, sabíamos que havia uma cena artística forte aí, que é um lugar que tem representatividade cultural. Queríamos nomes que demonstrassem diversidade, não só musical, mas de vida. E acho que conseguimos: tem jovens, galera mais velha, uma mulher negra, trans — conta Catarina.
A diretora explica que foram seis dias de gravações, um para cada artista contemplado, contabilizando entre 10 horas e 12 horas diárias — que devem virar capítulos de 25 minutos.
— Tentamos fazer algo orgânico, ir na casa das pessoas, pegar a saída delas para a rua, falar sobre outros assuntos. Legal que sempre rolava algo inusitado — recorda Catarina, uma das oito integrantes da equipe que esteve em Porto Alegre.
A multiartista Valéria Barcellos diz que o convite para participar da atração foi uma grata surpresa, já que foi a primeira vez que ela se apresentou na rua.
— O dia da gravação foi corrido. Fizemos imagens na minha casa e depois fomos para a Casa de Cultura, que foi uma escolha minha, por ter uma história com o local. Acho que é um espaço que define bem essa relação da rua com o teatro, pois tem uma rua que passa ali no meio. E por ser um lugar que mexe muito com o imaginário das pessoas — afirma Valéria. — Chamou minha atenção o fato de ter uma mulher encabeçando o projeto, algo raro de se ver. Achei ela (Catarina) incrível, antenada, preocupada em mostrar a arte da rua de maneira respeitosa.
A diretora explica o porquê de chamar alguém que não está envolvida diretamente com as apresentações nas ruas:
— Com o cessar de shows e apresentações durante a pandemia, pensamos em convidar artistas a "ir aonde o povo está" nesta terceira temporada, como uma experiência tanto para a artista quanto para o público. O Buscando Buskers não é somente sobre artistas de rua, mas sim sobre o ato de fazer arte na rua. A Val é a favor dessa prática e apoia a música para além de lugares fechados, seguindo aquele bordão incrível: "Todo artista tem de ir aonde o povo está".
Recordações
Entre as vivências marcantes nas gravações em solo gaúcho, Catarina admite ser difícil enumerar somente uma:
— Foram vários momentos. As pessoas passavam pelos músicos enquanto registrávamos e riam, choravam, se emocionavam. Tinha uns que diziam: "Mudou meu dia". Tem muita gente que marginaliza, acha que não tem valor. E não é bem assim. Cada um ali tem uma história, está na rua porque gosta — lembra a diretora.
Ela pontua, ainda, que apesar das peculiaridades, os que tocam na rua têm um traço em comum:
— É um pessoal que sabe lidar com imprevisibilidades. Que faz do limão uma limonada. Por exemplo, quando gravamos o Cartas na Rua, o sino de uma igreja (na Redenção) começou a bater e eles seguiram no tom, acompanhando as badaladas. Sem contar que choveu no dia, pensamos que nem ia dar pra filmar — anima-se Catarina com a lembrança.
O vocalista e violonista do trio Cartas na Rua, Marcelo da Luz — que completou em dezembro de 2021 seis anos desde sua primeira apresentação dominical na Redenção — reforça que as dificuldades fazem parte do ofício.
— O dia da gravação foi muito tranquilo, bacana, agradável. Fora algumas dificuldades, mas que serviram para mostrar um pouco do que enfrentamos. Poder estar ali, fazendo o que tu mais gostas, despertando o interesse das pessoas, é o que me motiva. Às vezes tem de carregar equipamento pesado, algo não funciona como o esperado, alguém perturba ou o barulho é alto. Mas não vejo nada de ruim. Ver as pessoas felizes, as crianças dançando, gente de mais idade curtindo, é uma satisfação — confessa o músico.
Ponto comum entre os entrevistados, segundo Catarina, é o gosto pela autonomia.
— Muitas dessas pessoas são estudadas, não são vagabundos. Talvez sejam mais livres um pouco do que os outros que trabalham das 9h às 17h, por exemplo. E isso às vezes incomoda. A liberdade incomoda — avalia Catarina.
A diretora adianta que o material editado tem previsão de entrega para fevereiro e estreia na tela para meados de 2022.
Conheça os artistas de Porto Alegre que estarão na série
Conjunto BlueGrass Porto-alegrense
Nas ruas desde 2007, é apontado como o grupo mais antigo e importantes nome da cena artística de rua. Reúne veteranos do rock gaúcho, como Marcio Petracco (ex-TNT e Cowboys Espirituais). Veja os perfis no Instagram e no Facebook.
Cartas Na Rua
Faz releituras de clássicos do folk, country, rock e bluegrass, além de apresentarem canções autorais. A banda vive exclusivamente da música de rua, mas também se apresenta em bares, pubs e festas particulares. Veja os perfis no Instagram e no Facebook.
Grupo Naquele Tempo
Grupo de choro que faz versões e músicas autorais. Abre espaço para outros músicos integrarem a formação ocasionalmente. Veja o perfil no Facebook.
Negra Jaque
Compositora de todas as suas músicas. Nas letras, aborda a força da mulher. É figura importante na causa feminina e para a comunidade negra do Rio Grande do Sul. Veja o perfil no Instagram.