Por Jéssica Barcellos, Especial
De 1996 a 2020, o Planeta Atlântida recebeu mais de 2,2 milhões de planetários que viveram momentos inesquecíveis para contar depois. O festival se transformou em um programa de família e o lugar onde muitos casais se conheceram, trocaram o primeiro beijo e até mesmo noivaram.
É também o evento em que muitas bandas sonham em fazer sua estreia e por isso já foi motivo de loucuras, como a de três jovens que caminharam cerca de 300 quilômetros atrás de uma chance para subir ao palco. Conheça algumas histórias:
A banda que foi a pé de Santa Maria a Porto Alegre
Era janeiro de 2000 quando Giovani Kovalczyk, na época baterista da banda Inseto Social, teve a ideia e disparou durante o ensaio: “Galera, já sei o que a gente vai fazer para aparecer! Vamos a pé até o Planeta Atlântida”.
A primeira resposta dos parceiros foi uma longa risada, mas, poucos dias depois, ele, o vocalista Flamarion Rocha e o baterista Rogério Fenalti pegavam a estrada para caminhar cerca de 300 quilômetros de Santa Maria até Porto Alegre em busca de um sonho: subir no palco do maior festival de música do sul do país.
— A gente acreditava muito na nossa música e, na época, não existiam as redes sociais, então encontramos essa maneira de divulgar a nossa banda. No início, pensamos até em levar junto o nosso guitarrista Alex Ferraz, que estava com a perna quebrada. Cogitamos ir empurrando ele na cadeira de rodas, mas logo vimos que não seria possível. Também tínhamos a ideia de ir a pé até Xangri-lá, mas faltavam poucos dias para o Planeta, e achávamos que não chegaríamos a tempo, então decidimos ir até a capital gaúcha — explica Flamarion.
Sem nenhum tipo de preparo físico, mas com toda a força de vontade, os três jovens partiram de Santa Maria, levando nas costas as mochilas que carregavam redes de descanso e guarda-chuvas, além de um violão e uma placa que anunciava o objetivo do grupo dizendo “iremos para o que der e vier”.
— Já no primeiro dia, a gente achou que não ia mais conseguir, porque era uma loucura. Caminharíamos em média 30 quilômetros por dia, debaixo do sol quente, na beira da estrada. A gente não tinha noção do que era caminhar até Porto Alegre. Logo no amanhecer do segundo dia, a dor muscular, por todo o corpo, e o incômodo na sola dos pés era algo inexplicável. Só que a gente já tinha aparecido na TV, todo o Estado já sabia que estávamos indo, então não podíamos desistir. E era legal o incentivo que recebíamos do pessoal que passava pela gente na estrada, torcendo e buzinando. A gente chegava a cansar o braço de tanto abanar — recorda o vocalista da banda.
E eles não desistiram. Foram 11 dias de caminhada intercalados com noites improvisadas em postos de gasolina até chegarem ao estúdio da Rádio Atlântida, em Porto Alegre. Lá, foram entrevistados, mostraram um pouco da sua música e conseguiram uma carona com um desconhecido que os levou até a Praia de Atlântida.
Até então, eles ainda viviam a expectativa de conseguir encontrar alguém da produção do festival, sem desistir, e isso aconteceu quando um dos organizadores os viu tocando na orla. Foi assim que a banda conseguiu realizar seu sonho. A Inseto Social tocou nos dois dias da quinta edição do Planeta Atlântida, em um dos palcos alternativos montados na Saba.
— O público, os jornalistas e todo mundo ficou nos conhecendo. Éramos uma banda do interior que, em menos de 30 dias, se tornou uma banda conhecida, falada por tudo. Quando subimos no palco, era como se a gente estivesse vivendo o nosso sonho. Depois daquela caminhada toda, era como se estivéssemos recebendo um troféu, era uma vitória! Estávamos sendo recompensados por todo o esforço que tivemos, tocando no maior festival do sul do Brasil. Foi algo indescritível, até me emociono lembrando de tudo. E esse episódio abriu muitas portas pra gente, e fez com que a banda crescesse muito.
Desde então, o grupo criado em 1998 já passou por algumas pausas e retomadas, mas nunca deixou de tocar. Atualmente, é formado pelos fundadores Flamarion (guitarra e vocal) e Rogério (bateria), além dos integrantes mais recentes, Vitor Cesar (guitarra) e Lucas Odorizzi (baixo).
A mãezona da galera
Flaviana Speransa estreou no Planeta Atlântida em 2009, aos 29 anos, quando foi ao festival com as amigas para ver de perto dois dos seus artistas preferidos: a dupla sertaneja Victor & Léo. Ela já era mãe de Gabriel Rocho Gomes, que na época tinha apenas 9 anos e ainda não podia frequentar o festival, mas gravou para ele de presente um trecho do show da banda NX Zero, que o filho queria muito poder assistir. Quando chegou em casa, fez um combinado: assim que ele completasse 14 anos, ela o levaria ao Planeta.
A promessa foi cumprida em 2014, quando Gabriel atingiu a idade mínima para entrar na Saba. Naquele ano, Flaviana aproveitou para levar também as duas sobrinhas ao festival, formando a sua primeira trupe. O que ela não imaginava é que aquela se tornaria uma tradição anual dela e do filho e que a galera que ela levaria ao festival só aumentaria, chegando a uma turma de 10 adolescentes em 2017.
— Na primeira edição, minha preocupação era mostrar para o Gabriel como ir a um grande evento. Nos primeiros anos foi mais complicado, porque ele queria ir cedo pra ficar na grade e ficava muito ansioso. Mas, com o passar do tempo, ele e os amigos foram ficando experientes, e eu virei o ponto de referência. Eles deixavam óculos e camisetas comigo e diziam “a gente se encontra lá na mãe”. Nos últimos anos, com eles já maiores, passei até a ir de camarote pra ficar cuidando deles de longe, mas estou sempre de olho — conta Flaviana.
Hoje, ela e Gabriel guardam histórias das seis edições em que estiveram, já que, desde 2014, houve apenas um ano em que eles deixaram de cumprir a tradição.
— Fomos em praticamente todos os anos seguintes, e a cada edição levávamos mais amigos. Hoje é um ritual nosso ir ao Planeta. Nesse meio tempo, tive um filho autista, o Caio, que tem 9 anos, e tive que me mudar para Santa Catarina, em 2016, para morar em uma casa mais afastada. O Gabriel ficou morando em Porto Alegre com a minha mãe, e a forma que eu encontrei de recompensar ele foi mantendo o nosso combinado. Todo ano, alugo uma casa em Capão da Canoa para ficar cerca de 15 dias só me dedicando a ele. E é nessa casa que recebemos também os amigos que levo junto para o Planeta — completa ela.
Além de ter crescido dentro do festival, curtindo a festa com os amigos e a mãe, foi no Planeta Atlântida que Gabriel conheceu a namorada, Eduarda Viana, em 2018.
— Eu já tinha estudado com ela no colégio, mas nunca tinha falado com ela. E, na Balada Renner, lá no Planeta, a gente se falou, ficou pela primeira vez e estamos juntos desde então. Depois, voltamos ao festival em 2019 e em 2020. Esse ano infelizmente não deu pra ir por causa da pandemia, mas estamos esperando ansiosamente o de 2022 para estar lá de novo — diz Gabriel.
Planeta casamenteiro
Muitos anos antes, outros casais também já se formavam no Planeta Atlântida. Entre eles estão Jonatan dos Santos Rocha, de Torres, e Raquel Silveira Daros, de Praia Grande, Santa Catarina. Ela já era planetária assídua e vinha ao Rio Grande do Sul com frequência para o festival, mas foi só em 2013, quando ele foi à Saba pela primeira vez, que eles se conheceram e ficaram juntos durante o show de Michel Teló. Foi no começo de fevereiro e, pouco tempo depois, no dia 28 daquele mesmo mês, já começaram a namorar.
No ano seguinte, voltaram ao festival, e Jonatan começou a planejar um pedido de casamento, que ele gostaria de fazer ali mesmo, onde tudo começou. O plano deu certo: em 2015, ele entrou na Saba decidido, compartilhando o segredo com o amigo José dos Santos Júnior, que carregava as alianças. A ansiedade era tão grande que ele não conseguiu esperar muito tempo e se ajoelhou no fim da tarde, embalado pelo som do Armandinho, que se apresentava no Palco Planeta naquele momento.
— Eu nem esperava! Foi uma surpresa! Ele já estava até com a aliança no dedo e eu ainda não tinha nem dito "sim", de tão nervosa, embora já tivesse aceito o pedido desde o primeiro momento. E depois foi muito legal, porque foi uma comemoração coletiva, com todo o Planeta. Amigos e também desconhecidos vieram pra nossa volta, comemorar com a gente — narra a noiva.
Jonatan e Raquel estão há oito anos juntos, ainda comemorando o sucesso do relacionamento que já começou em clima de festa. Há, porém, um casal com uma história ainda mais longa com o festival, e que acaba de celebrar os 19 anos do primeiro beijo que trocaram no Planeta Atlântida.
Em 2002, a porto-alegrense Cátia de Aguiar Baumgarten começou a viver sua história de amor com Fernando Breda Baumgarten, seu marido há seis anos, e pai das suas duas filhas, Fernanda e Amanda, de 1 e 3 anos. A história dos dois iniciou dentro de uma van, alugada pelas famílias para ir da praia de Pinhal para o Planeta Atlântida, onde eles se viram pela primeira vez.
— Chegando lá no Planeta, ficamos amigos, nos conhecemos, assistimos a diversos shows e foi lá que rolou o nosso primeiro beijo — lembra Cátia.
Depois disso, aproveitaram o show da banda Maskavo, cantando juntos Um Anjo do Céu, que acabou se transformando na música mais marcante do relacionamento, sendo inclusive a trilha sonora escolhida para a entrada de Cátia em sua festa de casamento, em 2015. A história de como os dois se conheceram também foi tema de uma série de desenhos apresentados no vídeo do casamento deles.
— O Planeta faz parte da nossa vida, e o dia 1º de fevereiro, quando nos conhecemos, é a nossa data mais especial. Já comemoramos esse aniversário dentro do Planeta em outras edições e, neste ano, celebramos com um jantar com as nossas duas filhas. Em 2022, se tiver o evento, queremos ir para festejar os 20 anos do nosso primeiro beijo. Acho que as histórias que começam dentro do Planeta duram, né? — observa Cátia.