O ano de 2021 já chegou com muitas mudanças para Gunter Axt. O historiador, que se divide entre residências em Florianópolis e em Gramado, voltará a viver em Porto Alegre, onde acaba de aceitar assumir o cargo de secretário municipal de Cultura na gestão de Sebastião Melo, que toma posse como prefeito nesta sexta-feira (1º).
Intelectual com prestígio junto à classe artística, Gunter mantém um escritório em que presta consultoria na área de patrimônio, memória e pesquisa histórica. Além de ser um gabaritado conhecedor do passado da Capital, mantém-se sempre ligado a grupos de discussão sobre a cultura e a economia criativa do município.
Em entrevista a GZH, Gunter afirmou ainda ser precipitado traçar planos para sua gestão, porém compartilhou conceitos que devem orientar suas práticas na secretaria.
Aceitar o cargo de secretário da Cultura acarretará em muitas mudanças para o senhor, a começar por voltar a morar em Porto Alegre. O que o motiva a encarar esse desafio?
Há muito anos participo de grupos que debatem a economia criativa em Porto Alegre. É um debate apaixonante. Algumas vezes acho que fui já lembrado para essa ou outras posições, mas, por motivos diversos, isso nunca avançou. Se recebesse o mesmo convite há alguns anos, possivelmente eu não aceitaria, porque teria que romper contratos do meu escritório para assumir o posto na prefeitura. No entanto, há agora um contexto de pandemia, em que grande parte dos meus contratos entraram em suspensão. É algo temporário, que seria retomado a médio prazo. Mas, com isso, abriu-se uma brecha, uma possibilidade.
Já é possível falar em planos para a secretaria?
Foi tudo muito repentino, ainda é preciso tomar ciência de como está a situação da pasta, mas posso falar de alguns conceitos fundamentais que vão me orientar. O primeiro desafio está posto pela conjuntura de exceção que atravessamos, caracterizada pela pandemia. Ou seja, é preciso ajudar os operadores da cultura a superar esse momento.
Esse é um desafio conjuntural. Como superar os desafios estruturais?
Como base para superar os desafios estruturais, elenco quatro conceitos centrais. O primeiro é o diálogo com todos os segmentos da cidade. Além disso, é preciso não encarar cultura como eventos, que são bacanas e necessários, mas também como um player importante para formulação das políticas de planejamento e desenvolvimento da cidade. Em terceiro lugar, é preciso pensar a dimensão de economia criativa que a cultura tem. E, finalmente, acredito que a cultura tem a ver com a valorização simbólica do lugar onde vivemos. A cultura ajuda a resgatar a autoestima do cidadão em seu lugar.
Porto Alegre é uma cidade com uma cultura muito diversa.
É importante acrescentar que pretendo fazer um esforço muito grande no sentido da descentralização. Em primeiro lugar, está a descentralização geográfica. Os equipamentos culturais urbanos estão quase todos distribuídos na área central da Capital. É uma característica histórica da cidade, que não vamos mudar de um dia para o outro, mas precisamos enfrentá-la. Mas a descentralização é também temática. A secretaria deve estar aberta a manifestações que são consideradas populares e nem sempre são bem acolhidas pela cultura mais próxima dos cânones. Não trataremos ninguém com preconceito. Ao contrário, estaremos empenhados na descentralização.
Isso significa estar atento a uma amplitude maior de manifestações culturais?
Porto Alegre é uma cidade miscigenada, que discute muito sua herança europeia. Gostaria que a gente pudesse discutir também a herança cultural africana e indígena que a cidade tem. Quando perguntam qual é o prato característico de Porto Alegre, todo mundo responde que é churrasco, por exemplo. Pois bem, o churrasco foi feito pela primeira vez em Porto Alegre em 1935, no Parque Farroupilha, pela família Aita, que depois instalou a primeira churrascaria do Brasil. Não se tinha o hábito do churrasco na Capital. Era uma prática sobretudo da Campanha, não em Porto Alegre. O principal prato da Capital em todo o século 19 foi o mocotó. O Sergio da Costa Franco tem até um texto sobre isso. Era vendido antigamente de porta em porta pelas negras quitandeiras. Até hoje é possível encontrar placas escritas à giz nos bairros oferecendo mocotó. Eu considero este o prato típico de Porto Alegre. E ninguém se dá conta de que isso tem relação com a grande presença da cultura africana na cidade. Está na hora de Porto Alegre parar e perceber os detalhes da sua grande riqueza cultural.