Por Luís Francisco Wasilewski
Pesquisador do campo do teatro, pós-doutorando no Programa Avançado de Cultura Contemporânea na UFRJ
Não existiu artista, no Rio Grande do Sul, que tenha interpretado e cantado mais Bertolt Brecht do que Antônio Carlos Brunet, o Dunga, falecido nesta quarta-feira, 26 de janeiro de 2021.
Em 1977, fez parte do elenco de A Morta, texto dramático escrito por Oswald de Andrade, cuja encenação foi assinada por Ana Maria Taborda. Foi a primeira montagem dessa obra oswaldiana que, em sua gênese, oferece um intricado labirinto dramatúrgico.
Dois anos depois, ocorreu o começo da longeva parceria de Dunga com três artistas fundamentais em sua carreira. Faço referência à diretora Irene Brietzke e às atrizes Mirna Spritzer e Denize Barella. Os quatro formaram o grupo Teatro Vivo, um dos mais importantes da cena teatral gaúcha na década de 1980. Montagens como Frankie, Frankie, Frankenstein, No Natal a Gente Vem te Buscar, A Aurora da Minha Vida e Mahagonny reuniram os três em cena, sob direção de Irene. Em Mahagonny-Songspiel, de Brecht, o dramaturgo alemão criou uma parábola sobre a corrupção da sociedade capitalista a partir do retrato de uma imaginária cidade, na qual tudo gira em torno do dinheiro. A obra já tinha sido interpretada pelo ator em uma encenação paulista com o grupo de teatro Ornitorrinco, em 1982, dirigida por Cacá Rosset. Nesta, também estava em cena Cida Moreira, que, depois desse encontro cênico com Dunga, tornou-se sua grande amiga e parceira de palco. Em diversos shows da cantora, participou fazendo com ela dueto em A Canção do Vendedor de Vinhos, de Brecht e Kurt Weill. Ele também assinou a tradução de Lost in the Stars, de Maxwell Anderson e Weill, gravada por Cida em seu disco A Dama Indigna.
Outra atuação oitentista sua a merecer destaque foi o trabalho em A Maldição do Vale Negro, de Caio Fernando Abreu e Luís Artur Nunes, em 1986. Era uma produção do Teatro Vivo, com a direção assinada por este último. A dupla criou uma genial paródia dos melodramas e de todos os clichês presentes no gênero como o da mulher presa em um sótão, o da menina órfã, o da governanta maligna e o do cigano violinista cego, personagem interpretado por Dunga. O texto de A Maldição do Vale Negro é um dos melhores da dramaturgia brasileira de todos os tempos. Na mesma época, o ator fez uma interessante incursão no cinema interpretando a fracassada cantora lírica Magdalena Montezuma no curta-metragem A Divina Pelotense, de Sérgio Silva.
Foi na década de 1990 que Dunga se lançou como diretor teatral. Apaixonado pela obra do psiquiatra e dramaturgo chileno Marco Antônio de La Parra, levou ao palco dois textos dele. Falo de A Secreta Obscenidade de Cada Dia e King Kong Palace, encenados respectivamente nos anos de 1994 e 1996.
Ficamos amigos em 2005, quando fomos jurados no Festival de Esquetes de Gravataí junto ao nosso amigo Mauro Soares. Quem teve o privilégio de conviver com a dupla Mauro e Dunga sabe o quão hilário era estar com eles. Dunga, na época, residia em São Francisco de Assis, no oeste gaúcho, e contava, com sua maneira cáustica, sobre uma apresentação turbulenta que havia assistido das crianças de uma escola da cidade, cuja trilha sonora era O Vira, dos Secos & Molhados. Estivemos juntos na condição de jurados em festivais que foram realizados em Erechim, Rosário do Sul e Dom Pedrito. E ele sabia que, para me desconcertar, bastava começar a cantar o refrão “o gato preto cruzou a escada”. Aquilo me causava gargalhadas ininterruptas, as mesmas que estou tendo agora quando escrevo sobre esse artista tão importante do teatro gaúcho, relembrando como ele descrevia teatralmente o episódio da apresentação escolar.