Uma forma de entretenimento que virou mania em Porto Alegre nos últimos anos: reunir amigos, soltar a voz e dar risadas, além de aplaudir e ser aplaudido. Cantar Evidências pela quinquagésima vez ou enrolar no inglês em alguma canção estrangeira. Mas nada disso, por enquanto: os karaokês da Capital estão fechados desde março por conta da pandemia.
Neste período, um jeito para matar a saudade dos frequentadores tem sido as cantorias online, em lives. Já os estabelecimentos procuram diferentes saídas para se manterem em meio a um cenário de incertezas.
Uma das alternativas é aproveitar o decreto da prefeitura da Capital que flexibiliza o funcionamento do comércio e dos serviços. Retornam só como bar, sem o karaokê. É o caso do Freedom Pub, localizado na Cidade Baixa.
Inaugurado em julho de 2019, o Freedom Pub reabriu na última quarta-feira (2), funcionando das 17h às 22h e adaptado aos protocolos sanitários. O estabelecimento se posiciona como uma casa plural: o público varia entre LGBT+, casais héteros e famílias.
Segundo Fabiano Marinho, proprietário do Freedom ao lado de Fábio Lacerda, "todo mundo é bem-vindo desde que haja respeito". O empresário conta que, em pouco tempo, o karaokê teve um retorno muito positivo.
— Quando começou o negócio a engrenar, tivemos que fechar, em março, por conta da pandemia. Tinha finais de semana que não conseguia entrar pessoas aqui dentro. Agora a realidade é bem diferente — lamenta Marinho.
Diante da pandemia e da suspensão das atividades, o empresário descreve a situação como “bastante complicada”. Ele ressalta que foi necessário fazer renegociações com o aluguel e fornecedores, entre outras despesas. No período, os quatro funcionários do Freedom tiveram suspensão de contrato de trabalho (recebendo 70% do governo e 30% da empresa).
— Investi tudo o que a gente tinha, em julho do ano passado. Não tinha um fluxo de caixa, nem um dinheiro guardado. Foi um investimento aguardando que o negócio fosse positivo. E foi até fevereiro. Por ser uma casa nova, o retorno foi muito rápido — relata.
Matando saudades
Para o público poder matar a saudades de cantar, o Freedom Pub promoveu um karaokê online no começo de agosto. Os participantes se inscreviam virtualmente e escolhiam a música. No horário da live, entravam ao vivo, com o áudio vindo do Freedom — o evento era transmitido direto do estabelecimento.
Marinho estima que a live chegou a ter 80 pessoas assistindo, sendo que 22 participaram do karaokê online. Uma nova edição está nos planos para o próximo mês. Um dos apresentadores da transmissão era Rodrigo Silchado, 41 anos, que é publicitário, ator e cantor.
— A experiência foi muito interessante, ainda mais para esse momento em que apenas podemos cantar cada um no seu canto. E as pessoas estão com vontade de cantar, mesmo que online — diz Silchado, que soltou a voz com Essa Tal Liberdade, do Só Pra Contrariar, Pra Sempre Vou Te Amar, de Robinson Monteiro, e Só Hoje, do Jota Quest.
Samuel Targino Rodrigues, 34 anos, é outro frequentador de carteirinha do Freedom:
— A experiência foi ótima, assim como a ideia. Só em poder voltar a ter contato com a música e a galera, mesmo que de forma virtual, já deu pra matar um pouco a saudade — destaca o tecnólogo em processos gerenciais, que cantou LS Jack e Jorge Vercillo no karaokê online.
Cantar de máscara
Outro karaokê que visa a reabertura é o Sofia. Localizado no bairro Moinhos de Vento e em atividade desde dezembro de 2017, o estabelecimento tem seu nome inspirado na cineasta Sofia Coppola, diretora de Encontros e Desencontros, que traz uma cena de Bill Murray cantando Roxy Music em um karaokê.
O proprietário, Arthur Teixeira, classificou a situação do local como grave. O empresário conta que, no momento da paralisação, a equipe do estabelecimento tinha 18 pessoas, além de alguns serviços terceirizados contínuos — como comunicação, treinamentos e advogados. Hoje, o Sofia conta com 11 pessoas em seu quadro, mantidas pelo programa de suspensão de contratos.
— A equipe que conseguimos manter está desde março em casa sem poder trabalhar, com seus ganhos drasticamente reduzidos. É uma operação com alto custo, e mantê-la aberta está exigindo extrema dedicação das pessoas de financeiro, RH, jurídico e estratégico. Da minha parte, estou assumindo muitos riscos e compromissos. Se não voltarmos logo, teremos que fechar e trabalhar ao menos uma década para pagar o prejuízo — adverte.
Arthur destaca que, com a recente atualização do decreto, o retorno do Sofia está mais próximo de se tornar viável. No entanto, ele acredita que os horários de funcionamento deveriam ser adequados (para restaurantes e bares, é permitido o funcionamento das 11h às 22h, de segunda a sábado).
— Encerrar às 22h só irá concentrar o público no horário entre 20h e 22h. Não adianta me permitir abrir às 11h. Ninguém pode passar a tarde bebendo Gin Tônica. Meu público trabalha. Nem queremos tanto tempo — queixa-se.
Conforme Arthur, o horário mais adequado para o Sofia seria das 19h à meia-noite. Fora disso, impossibilitaria os clientes de frequentar o estabelecimento.
— Você gera uma falsa condição de trabalho. É como permitir que as lojas abram da meia-noite às 10h — justifica.
Arthur garante que está otimista quanto ao aperfeiçoamento do próximo decreto, pois “a prefeitura de Porto Alegre tem se mostrado atenta às diferentes demandas”. Segundo o empresário, o objetivo é estar com a operação pronta para retornar em quinze dias, com todos os protocolos de segurança e as adaptações estruturais necessárias.
— Se tudo der certo, até o fim de setembro nossos cantores poderão voltar ao Sofia e soltar a voz, mesmo que de máscara — espera.
E o Babilônia?
Paulo Ricardo da Silva é proprietário do karaokê Babilônia ao lado de Ilva Oliveira. Localizado no bairro São Geraldo, o estabelecimento não abre desde março. O empresário resume a situação como “horrível”.
Paulo lamenta que precisou demitir todos os seis funcionários fixos (nos finais de semana, o karaokê ainda recebia o reforço de freelancers), mas que deve recontratá-los quando possível. Com a suspensão das atividades, ele estima um prejuízo de R$ 20 mil, com alimentos e bebidas desperdiçados.
O empresário suspira, por ora, por ter conseguido suspender o pagamento de aluguel do local, enquanto não estiver em atividade. Ele pretende retornar com o Babilônia só quando a prefeitura liberar as casas noturnas.
— É aglomeração e todo mundo pegando microfone. É cheio dos problemas para a pandemia. Até posso abrir como bar, só que o pessoal que vai ao Babilônia vai para cantar, vai para se divertir, vai para a festa — explica.
Com o Babilônia parado, Paulo começou a trabalhar como motorista de aplicativos:
— É um jeito de arrumar um dinheiro para pagar minhas contas pessoais até reabrir o bar.
O empresário conta que o Babilônia está em atividade há 37 anos, mas ele se tornou proprietário há 22. Logo que assumiu, implementou o karaokê. Só nos últimos três anos que a brincadeira viraria tendência na noite porto-alegrense. Por isso, fechar está fora de cogitação para Paulo:
— Vou segurar. Fazer o que der para continuar com o bar. Já passei por muita coisa lá. Levei 20 anos para bombar e virar um point em Porto Alegre como merece. Agora que está bom, não vou largar esse osso. Vamos bombar de novo!