Os últimos anos têm sido nebulosos para as orquestras no Rio Grande do Sul. Em 2017, a Orquestra Filarmônica da PUCRS encerrou as operações. Dois anos depois, foi a vez da Orquestra Unisinos Anchieta ser descontinuada. No começo de julho agora, a UCS Orquestra, vinculada à Universidade de Caxias do Sul, teve suas atividades suspensas até o fim do ano, pelo menos. Com a pandemia de covid-19 e sem a possibilidade de realizarem concertos, as formações de música clássica foram obrigadas a lidar com uma nova realidade, distante do público.
Para a Orquestra Sinfônica de Santa Maria, este período tem sido de reinvenção. Fundado em 1966, o conjunto serve como um laboratório para o curso de graduação em Música da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O conjunto é mantido por bolsas fornecidas pela UFSM e colaboradores da Associação Cultural Orquestra Sinfônica de Santa Maria.
Conforme seu maestro e diretor executivo, João Batista Sartor, a formação conta com 12 músicos contratados egressos da UFSM. Sem concertos, eles estão recebendo o mesmo valor da bolsa distribuída aos alunos integrantes da orquestra, que seguem ganhando o auxílio normalmente.
– Houve realmente um corte do orçamento que a gente teria se fosse uma temporada normal – atesta o maestro, também conhecido como Tita Sartor. – Assim que as atividades voltarem, os músicos retornam ao contrato normal.
Ele acrescenta que os alunos seguem estudando para os concertos que em algum momento e lugar serão realizados. O maestro acredita que a primeira apresentação de retorno da orquestra deverá ser transmitida online.
Uma das primeiras campanhas virtuais da orquestra na pandemia foi convidar cada músico a fazer um vídeo tocando com seu instrumento, além de falar um pouco de si. Esses registros são publicados nas redes sociais.
Outra iniciativa é o projeto Vem Cantar com a Orquestra Sinfônica de Santa Maria. Aberto para todas as faixas etárias, o concurso estilo The Voice irá selecionar cantores iniciantes, amadores ou profissionais para gravar uma música com a orquestra. Para se inscrever, o candidato deve enviar um vídeo.
Na última sexta-feira (10), a Sinfônica de Santa Maria lançou a Plataforma Online de Ensino de Música, em que músicos da orquestra dão aulas virtuais, tanto para iniciantes quanto para quem já tem mais prática.
– Além de ser um lazer produtivo, é uma forma de os nossos músicos terem um rendimento. As aulas têm preço acessível. Para que pessoas que estão em casa, na pandemia, possam fazer música – diz Sartor.
A ação que mais repercutiu nesta pandemia foi divulgada no dia 3 de julho. Ao lado da Magical Mystery Band (grupo santa-mariense de tributo aos Beatles) e profissionais de saúde, a orquestra interpretou Here Comes the Sun. No vídeo, há um mosaico de gravações realizadas pelos músicos de forma remota, além da contribuição de quatro médicos que também tocam e cantam. Também há cenas gravadas no Hospital Universitário de Santa Maria e imagens de uma apresentação da orquestra em 2019.
Acumulando mais de 320 mil visualizações no Facebook, o vídeo tem como finalidade homenagear os profissionais da saúde, além de trazer uma mensagem positiva de esperança.
– É a reafirmação da arte e da ciência. Ambas têm muita importância na nossa sociedade, então é importante valorizarmos – pontua Sartor.
Segundo o maestro, a Sinfônica de Santa Maria procura alternativas para se adaptar ao atual período de retração.
– Aproveitamos para diversificar e procurar inovar. E também dar visibilidade à música, à arte, que neste momento é importante. É uma válvula de escape, de relaxamento, de elevação, de aprendizado. De colocar a mente em coisas positivas. A música traz isso, independentemente do estilo. Ainda mais nesses momentos de apertos. Nos ajuda a resistir – reflete Sartor.
Situação de outras orquestras
Com 70 anos completados em junho, a Orquestra de Concertos de Erechim está paralisada. O diretor artístico Murilo Andreolla conta que, com a pandemia, a verba foi trancada pela prefeitura. Assim, os músicos profissionais e professores pararam de receber – são nove professores.
– Com a verba cortada, os professores paralisaram as aulas. Alguns estão mantendo o trabalho de forma voluntária, sem receber um tostão – relata Murilo. – Há professores que dependem da orquestra para sobreviver e não conseguiram auxílio (emergencial) nem nada. Estamos incomodados com essa situação.
A Orquestra de Concertos de Erechim é uma instituição sem fins lucrativos, que se sustenta por meio de projetos sociais. Murilo conta que o conjunto teve um projeto municipal aprovado em outubro de 2019, que se encerraria em outubro de 2020. A orquestra está pleiteando com a prefeitura a possibilidade de ajuste no projeto para que seja possível a realização de aulas online.
Em Porto Alegre, a Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro (OCTSP) está parada. Trata-se de um grupo que é mantido por projetos de captação financeira.
– Não tínhamos iniciado a temporada, estávamos em busca de recursos. Dependemos do final da pandemia, com a liberação de espaços e teatros – conta o maestro Evandro Matté.
Matté diz que a OCTSP espera uma alteração na Lei Federal de Incentivo à Cultura, antiga Lei Rouanet, para que seja possível executar concertos online com os incentivos. Ele também é maestro da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), fundação estadual que tem realizado lives neste período.
– A escola da Ospa segue realizando aulas. A obra de ampliação da Casa da Ospa continua em andamento. Quando for possível, a ideia é aumentar o número de integrantes nos concertos das lives, gradativamente, com distanciamento necessário – descreve Matté.
A Orquestra de Câmara da Ulbra, de Canoas, segue também aguardando pelo momento de retorno. Estava prevista a realização de um concerto em drive-in, no final de junho, porém foi adiado por contada da bandeira vermelha no município. Segundo o maestro Tiago Flores, duas apresentações nesse formato seguem nos planos para quando houver melhora nas condições. Enquanto isso, os músicos seguem estudando em casa.
– Estamos aguardando a mudança de quadro para retornar às atividades normais. A gente vai voltar sim. Se não for este ano, será ano que vem – assegura Flores.
Formada em 2019, a Orquestra de Câmara de Bento Gonçalves tem dado um jeito de ensaiar remotamente. O maestro Gilberto Salvagni conta que há uma divisão de tarefas e cada músico estuda o repertório individualmente. Eles trocam vídeos entre si e fazem ajustes à distância, do mesmo jeito que fariam em um ensaio.
– Estamos desenvolvendo atividades remotamente na esperança de voltar a tocar juntos, mesmo que em pequenos grupos – diz Salvagni. – A classe artística passa por muita dificuldade neste momento. Estou rezando para que os remédios funcionem.