Documentos comprovam que Raul Seixas não entregou Paulo Coelho à tortura no período da ditadura militar. Uma biografia de Seixas Não Diga que a Canção Está Perdida, escrita por Jotabê Medeiros, levantou a suspeita de que o músico teria delatado o amigo e escritor.
No entanto, documentos, publicados em uma tese sobre Seixas defendida na Universidade de São Paulo, em 2016, e divulgados nesta sexta-feira (29) pelo jornal Folha de S. Paulo, apontam que o escritor foi preso e torturado no lugar de um militante de esquerda quase homônimo. O nome do escritor é Paulo Coelho de Souza. O do militante, que pertenceu ao extinto Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, o PCBR, é Paulo Coelho Pinheiro.
Na obra de Medeiros, a prisão se baseia no documento que aponta que os dois artistas estavam no radar do órgão de repressão por fazer "música de protesto". Na época, lançaram um disco e um gibi, com ilustrações feitas pela companheira de Coelho, Adalgisa Rios, que, na época, deixara a militância no PCdoB.
Por conta do material, Raul foi chamado para depor. No relatório, que consta na tese, está escrito que “por intermédio do compositor” seria possível achar e prender “o foragido Paulo Coelho Pinheiro, do PCBR”, e Rios, considerados “elementos subversivos”.
Um mês depois, o músico voltou a prestar um depoimento acompanhado de Coelho - sendo liberado logo em seguida. O escritor, no entanto, teve que permanecer no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), para prestar esclarecimentos sobre um panfleto político.
Horas depois, Coelho e Rios foram liberados, mas ainda no táxi a caminho de casa, foram detidos. O escritor foi torturado e permaneceu preso.
O militante mencionado na ordem de prisão, Paulo Coelho Pinheiro, realmente existia e estava foragido naquele período, de acordo com o filho dele Diogo.
— É o nome do meu pai, o partido em que ele atuava e ele já estava foragido. Em 1970, ele conseguiu fugir para a França e escapou de ser preso e torturado. Voltou ao Brasil depois da Anistia e teve uma vida normal até morrer, em 2011 — conta o Diogo, em entrevista à Folha de S. Paulo.
Antes do depoimento de Raul, uma ficha policial de dezembro de 1973 mostra uma imagem Pinheiro e informações sobre sua atuação política. Ele era definido como militante do Partido Comunista Brasileiro, o PCB, até 1968, e que, com dois amigos, trocou o partido pelo PCBR para “fazer trabalho de massa na escola” - ou seja, o tal panfleto pelo qual Coelho foi interrogado.
A mesma ficha misturou outros dados dos dois Paulos. O documento indicava que, em julho de 1973, ao lado de Raul, Coelho Pinheiro escrevera o tal panfleto “distribuído clandestinamente, contendo propaganda subversiva”.
Os dois documentos estão na tese de doutorado do pesquisador Lucas Marcelo Tomaz de Souza. Como a foto de Paulo Coelho Pinheiro, na sua ficha policial, tem cerca de 50 anos, Souza pensou se tratar do escritor, mesmo com o sobrenome diferente —Pinheiro em vez de Souza.
— Não era comum, então, esse tipo de violência física contra músicos populares. A tortura era direcionada a militantes engajados em movimentos de esquerda, o que seria o caso do novo sujeito que entra na história — disse o pesquisador à Folha. — Se Paulo Coelho carregava a suspeita, é difícil entender que tenha mantido a amizade com o suposto traidor — completou.
Procurada pela Folha, as partes envolvidas não quiseram se pronunciar sobre o caso. O biógrafo Medeiros apenas indicou que não pesquisou a coincidência dos nomes.
— O que posso dizer é que o meu interesse foi clarear as circunstâncias que fizeram Raul levar Paulo à polícia — disse.