RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Aclamada por alguns como a voz da geração millennial, Jia Tolentino consegue escrever de maneira clara e até mesmo bem-humorada sobre a lógica de monetização das identidades na internet, as armadilhas dos discursos feministas que acabam por impedir a crítica justa a mulheres ou sobre como a fraude é o ethos americano por excelência.
Esses são alguns dos temas abordados nos nove ensaios que compõem "Falso Espelho", assim como o período em que a autora, articulista da revista The New Yorker, fez parte de um reality show em Porto Rico e a necessidade que o feminismo tem em glorificar as mulheres complicadas.
Recém-lançado no Brasil, o livro foi um best-seller nos Estados Unidos e pode servir de introdução ao estilo de Tolentino. Após manter blogs desde criança, a americana nascida no Canadá de pais filipinos ganhou notoriedade no site feminista Jezebel, do qual foi editora.
O ensaio que abre o livro é uma espécie de história crítica da internet a partir das experiências infantis e adolescentes de Tolentino, que hoje tem 31 anos. Ali ela trata do uso online que o mercado faz de nossas identidades com uma tensão crescente que beira o pesadelo.
"Não há mais terras para o capitalismo cultivar, a não ser o eu. Tudo está sendo canibalizado, e não só bens ou trabalho, mas também personalidade, relacionamentos e atenção", escreve ela.
Isolada numa casa de campo, a moradora de Nova York comenta, por telefone, o cenário que traça no texto frente à crise do coronavírus, com grande parte da população mundial fechada em casa e passando mais tempo nas redes.
"O jeito como usamos a internet não vai mudar completamente a menos que a base econômica da internet mude, a menos que o capitalismo de vigilância acabe", diz.
"A crise do coronavírus está mudando nossa relação com a internet, assim como está mudando tudo, mas não teremos o fim do capitalismo. Estamos vendo mais pessoas conscientes dos limites do capitalismo, especialmente nos Estados Unidos, mas também vemos, como no Brasil, protestos para reabrir a economia que parecem mais cultos da morte."
No mesmo ensaio, ela aborda a trivialidade de nossas ações na internet, a necessidade incessante que temos de mostrar solidariedade com as reivindicações alheias e como isso vem sendo usado politicamente para ecoar opiniões nocivas à democracia.
"O que vivemos agora reforça o fato de o que vemos e falamos na internet não ter tanta importância, o que importa é o que de fato fazemos na vida real, que é, agora, ficar em casa. Nossas atitudes físicas continuam importando mais do que as nossas atitudes virtuais", afirma.
O feminismo é tema recorrente nos textos de Tolentino, que acompanhou de perto o julgamento de Harvey Weinstein, sobre o qual escrevia na New Yorker. No livro, faz uma crítica ao movimento MeToo e ao uso da hashtag, que, segundo ela, apagava a diversidade das experiências das mulheres e fazia parecer que o ponto central do feminismo é a vulnerabilidade. Tolentino, porém, aparece muitas vezes descrita como uma importante voz da era MeToo.
"Fico cansada de palavras que escuto demais porque elas perdem seu significado", comenta ela sobre o termo "era MeToo", que vem sendo usado para promover de livros a produtos de beleza.
"Tento evitar nos meus escritos expressões como essa porque é melhor ser mais explícito sobre o que se quer dizer, o período desde que o caso Weinstein estourou ou a época em que as pessoas estão tratando questões de condutas no local de trabalho de uma forma diferente. Palavras muito usadas ameaçam diluir os significados a que se referem."
Enfim surge vida inteligente com reflexões pertinentes no cenário que a indústria cultural e a lógica das celebridades e gostos de Instagram vêm apresentando como representação da geração millennial.
FALSO ESPELHO
Preço: R$ 79,90
Autor: Jia Tolentino
Editora: Todavia
Tradução: Carol Bensimon
Páginas: 368