Beatriz Araújo reuniu-se na quinta-feira (19) com a secretária especial da Cultura do governo Bolsonaro, Regina Duarte. Um dia depois, a responsável pela pasta no âmbito estadual conversou com a reportagem de GaúchaZH.
Na pauta, o devastador impacto que tem sobre o setor cultural a paralisação das atividades impostas pelas medidas preventivas à pandemia de coronavírus e as políticas voltadas para salvaguardar e incentivar um setor que já vinha acusando dificuldades decorrentes da falta de maior apoio em todas as esferas do poder público. Confira a entrevista:
Que medidas serão tomadas ou estão sendo avaliadas para amenizar o impacto da pandemia na área cultural?
Estamos preparando editais que vão viabilizar o trabalho sem que seja necessária a aglomeração de público. Isso é a segunda etapa. A primeira etapa nós já fizemos, com uma resolução na qual se estendeu prazos para todos os projetos que temos em andamento, para projetos culturais financiados pelas leis de incentivo e aqueles financiados pelo Fundo de Apoio à Cultura. Estamos providenciando três editais que vão totalizar R$ 10 milhões. Isso ainda está sendo debatido com a Procuradoria Geral do Estado, para ver de que forma podemos agilizar a realização desses editais, considerando que estamos vivendo uma calamidade pública. Isso poderá facilitar o repasse dos recursos de maneira mais rápida. Normalmente, são muitos meses que a gente precisa para fazer toda essa tramitação. Estamos trabalhando em sintonia com outros Estados, com editais que possibilitem a participação por plataforma virtual, que também estejam voltados, por exemplo, a patrimônio cultural, pesquisa, inovação.
Quem poderia atuar nessa plataforma online?
Vamos encontrando formas de fazer com que esses editais possam atender a todos os grupos artísticos e trabalhadores da cultura, de forma a repassar o mais rapidamente possível esses valores para que as pessoas possam continuar trabalhando. A gente sabe que a cultura sofre um baque muito violento, porque artista não costuma ter reserva (financeira). Temos o escopo dos editais. Só estamos vendo de que forma vamos colocar na rua. Seria um Fundo de Apoio à Cultura (FAC) digital, só para conteúdos culturais no ambiente virtual, são R$ 5 milhões. Depois disso, tem um mapeamento colaborativo para identificar trabalhadores da cultura que atuem em várias atividades dessa cadeia produtiva, com objetivo de contemplar apresentações artísticas que possam acontecer nessa plataforma online.
Uma das soluções comentadas pela classe artística seria a criação de um fundo de amparo, uma bolsa-auxílio neste período de quarentena.
Nós não vamos remunerar artistas parados. Vamos possibilitar aos artistas que possam fazer a sua arte usando outras plataformas, usando outras formas. Não é assistencialismo: a gente vai se adaptar a esse momento que estamos vivendo. Para quem está em casa, é importante ter mais conteúdos nas plataformas. As pessoas que não podem sair de casa vão usar mais a internet para buscar coisas bacanas para assistir, estar próximas de seus artistas, dos músicos, dos grupos de teatro ou de dança, dos escritores que poderão se manifestar de uma forma diferente. Nesses editais que queremos fazer, até uma contação de história pode ser contemplada. Queremos oferecer aos artistas a oportunidade de trabalharem de uma forma diferente daquela que vêm trabalhando tradicionalmente.
Alguma previsão para a publicação desses editais?
Queremos fazer isso acontecer o mais rápido possível. Estamos trabalhando full time nisso. Eu esperava já hoje fazer esse anúncio (sexta-feira, 20). Mas a gente está esperando ainda um ou outro parecer da Procuradoria Geral do Estado também, a gente não faz nada sem passar por ali. Pode ser que na segunda-feira (23) a gente já tenha até como estabelecer prazos definidos. Mas vai ser muito em breve.
A secretaria tem estimativa de quanto a pandemia irá impactar o setor cultural?
Não temos. O que a gente tem de concreto é baseado no emprego formal, e a gente sabe que tem um universo muito maior, da informalidade, que não está nesses indicadores. Não temos como fazer nenhum tipo de aferição.
Na última quinta-feira (19), a senhora esteve reunida com Regina Duarte e demais secretários estaduais da Cultura. O que se tirou de proveito dessa reunião?
Serviu para os secretários falarem um pouco sobre as suas medidas na administração diante dessa situação. O que vi de mais concreto foi que o Odecir Costa, diretor da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic), é o que tá mais adiantado no sentido de promover algumas flexibilizações para que os projetos não sejam prejudicados. Existe um interesse grande por parte dela (Regina) de buscar recursos junto ao governo federal. Normalmente, tem sido destinado recurso a recuperação de patrimônio edificado tombado pelo governo federal. Ela está pensando em buscar a parte desses recursos para outras ações. Mas eles têm uma limitação grande em termos de tomar decisões, não é nada alentador em termos de proposta de trabalho. Só uma boa vontade da secretária de querer ter esse diálogo. Já marcou uma próxima reunião para daqui a duas semanas.
Houve reivindicações ao governo?
O nosso fórum de secretários da Cultura já tem um documento com todas as demandas. Temos problemas que não vêm sendo resolvidos com o governo federal. Por exemplo, eu agora começo conveniar os contemplados no FAC do audiovisual. São R$ 7,5 milhões. Uma quantia muito significativa vem do Fundo do Setor do Audiovisual (FSA). Não sabemos qual vai ser a dificuldade ou não da disponibilização desse recurso. Porque tem sido tudo muito difícil em relação ao audiovisual especialmente no governo federal, e ela (Regina) não respondeu nada. Cobrei isso, cobrei também em relação aos Pontos de Cultura, convênio que temos com o governo federal, que deveria ter assinado uma prorrogação para o prazo de execução, e não assinou ainda. Quer dizer que aqui nós fizemos tudo, fizemos a prorrogação junto aos Pontos de Cultura e o governo federal não assinou a prorrogação. Então, em princípio, eu teria que prestar contas já. Só que os Pontos de Cultura estão com os recursos que nós repassamos, e eles têm prazo para executar. O governo federal tem sido assim, a gente não sabe com quem fala. Quando fala, não te dão retorno. É quase como se não existisse nada daquele lado. Espero que eles façam o que não fizeram até agora, porque faz mais de um ano que esse governo está lá, e até agora não tivemos nenhum tipo de interlocução que resultasse em alguma coisa. Zero. Então a minha expectativa agora é que a Cultura comece a acontecer no governo federal. Mas até agora, foi o contrário: a cultura tem sido penalizada.
Além das penalizações, há também uma falta de continuidade, com muita alternância no comando da pasta, que perdeu o status de ministério virando secretaria.
São umas coisas assim... que são bem difíceis. Não tenho grandes expectativas com o governo federal. Estamos pedindo que o Fundo Nacional de Cultura tenha um repasse direto para os Fundos Estaduais de Cultura. Essa solicitação está sendo feita, mas acho mais fácil que o governo do Estado continue aumentando o investimento anual na nossa lei e no fundo. Acho mais fácil conseguir aqui, com toda essa crise que o governo (do Estado) vivencia, do que conseguir isso com o governo federal. É muito difícil.