O jornal britânico The Guardian publicou na noite desta sexta-feira (7), em seu site, um texto opinativo subscrito por vários artistas e figuras públicas, no qual é dito que o governo Bolsonaro representa uma ameaça à democracia e à liberdade de expressão no Brasil.
O abaixo-assinado traz as assinaturas dos músicos Chico Buarque, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, do fotógrafo Sebastião Salgado, dos escritores Djamila Ribeiro e Paulo Coelho, dentre outros 2,7 mil nomes.
Também há estrangeiros entre os signatários, como o cantor Sting e o ator William Dafoe. A petição estava sendo organizada por um grupo de professores universitários e artistas desde o início do ano.
O texto faz referência a diversas medidas do governo no ano passado. Diz, por exemplo, que membros do governo estimularam estudantes a filmarem seus professores em sala de aula para denunciá-los por doutrinação ideológica. E que o governo está atuando contra instituições culturais, científicas, educacionais e também contra órgãos de imprensa.
Intitulado "Democracy and Freedom of Expression Are Under Threat in Brazil" ("Democracia e Liberdade de Expressão Estão Sob Ameaça no Brasil"), o texto também faz menção ao documentário Democracia em Vertigem, que está concorrendo ao Oscar – o resultado será anunciado neste domingo.
Diz que a diretora do filme, Petra Costa, também signatária do abaixo-assinado, tem chances de se tornar a primeira diretora latino-americana a ganhar um Oscar e que, ainda assim, o governo a ataca.
A Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro disse que o governo não comentará o abaixo-assinado.
Leia o artigo traduzido:
As instituições democráticas brasileiras estão sob ataque. Desde que assumiu o cargo, o governo Jair Bolsonaro, ajudado por seus aliados de extrema direita, tem sistematicamente minado instituições culturais, científicas e educacionais no país, assim como a imprensa.
Logo no início, membros proeminentes do partido de Bolsonaro começaram uma campanha para encorajar estudantes de Ensino Médio e universidades a filmar secretamente seus professores e denunciá-los por "doutrinação ideológica". Essa campanha persecutória, ameaçadoramente chamada de "Escola Sem Partido", criou um ambiente de intimidação e medo em instituições educacionais, em um país há apenas três décadas fora de um regime militar opressivo. No mês passado, Bolsonaro sugeriu que o Estado deveria censurar livros didáticos para promover valores conservadores.
A gestão Bolsonaro deixou claro que não irá tolerar desvios de suas políticas e visão de mundo ultraconservadores. No ano passado, o governo demitiu o diretor de marketing do Banco do Brasil, Delano Valentim, por criar uma campanha publicitária promovendo a diversidade e a inclusão, que foi censurada pelo governo. Mais tarde naquele ano, enquanto a Floresta Amazônica queimava em um ritmo alarmante, o governo Bolsonaro retaliou cientistas que se atreveram a apresentar os fatos. Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foi exonerado de seu cargo por divulgar dados de satélite sobre o desmatamento na Amazônia.
O governo também é perigosamente hostil contra a imprensa. Em 21 de janeiro deste ano, o Ministério Público Federal abriu uma investigação sem base contra o jornalista americano Glenn Greenwald e sua equipe por participar de uma suposta conspiração para hackear o telefone de autoridades brasileiras. A denúncia, um evidente ataque contra a liberdade de imprensa, foi uma resposta a uma série de exposições que Greenwald e o The Intercept publicaram dizendo respeito a uma possível corrupção do círculo íntimo de Bolsonaro.
Esse não foi um caso isolado. Oficiais do governo espalhados pelo país, de tribunais estaduais à Polícia Militar, tomaram para si a tarefa de defenderem ideologicamente Bolsonaro e reduzir a livre-expressão de ideias. Apenas em 2019, foram reportados 208 ataques contra a imprensa e jornalistas no Brasil.
Em 16 de janeiro, Bolsonaro e o secretário-especial de Cultura, Roberto Alvim, filmaram juntos uma live que divulgou seus planos ideológicos para o país. Eles elogiaram a "virada conservadora" e o "renascimento da cultura" no país. No dia seguinte, Alvim foi além: durante um vídeo dedicado a anunciar um novo prêmio nacional das artes, ele fez alusões evidentes a princípios nazistas e enunciou frases do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels.
A indignação nacional e a condenação internacional causaram a demissão de Alvim. Mas Alvim apenas deu voz ao projeto de extrema-direita de Bolsonaro, que segue em força total: uma contínua afronta à liberdade de expressão, sob a justificativa da cultura nacional. Instituições públicas que representam a herança multicultural do Brasil – Conselho Superior do Cinema, Ancine, Biblioteca Nacional, Iphan e Fundação Palmares para a Cultura Negra – enfrentaram censura, corte de verbas e outras pressões políticas.
A cineasta Petra Costa, diretora do documentário Democracia em Vertigem, atualmente tem a oportunidade de tornar-se a primeira mulher latino-americana a vencer um Oscar. No entanto, a Secretaria de Comunicação de Bolsonaro recentemente usou o canal oficial no Twitter para disseminar um vídeo atacando Costa como uma antipatriota que espalha mentiras sobre o governo Bolsonaro. De forma semelhante, os filmes Bacurau, A Vida Invisível e Babenco foram internacionalmente aclamados nos festivais de cinema de Cannes e de Veneza, mas Bolsonaro declarou que nenhum bom filme brasileiro tem sido produzido no país em um bom tempo.
A gestão Bolsonaro também trabalha para reverter diversas conquistas sociais das últimas duas décadas, incluindo ações afirmativas. Entre 2003 e 2017, a proporção de estudantes negros entrando em universidades brasileiras aumentou em 51%; o regime Bolsonaro quer voltar atrás nesse progresso. Bolsonaro e seus ministros depreciam de forma rotineira minorias étnicas e a comunidade LGBT+ – tudo isso enquanto ignoram a violência e a criminalidade de milícias paramilitares de direita.
Esse é um governo que não tem nenhum plano de desenvolvimento para seu povo. Em vez disso, o governo Bolsonaro está engajado em uma guerra cultural contra ameaças internas fantasiosas. É um governo que nega o aquecimento global e as queimadas na Amazônia, menospreza líderes que lutam pela preservação do ambiente e desrespeita a preservação da natureza e da cultura trazida por povos indígenas.
Nós tememos que tais ataques às instituições democráticas possam, dentro de um futuro próximo, tornarem-se irreversíveis. Baseado nos princípios conservadores mais extremos e limitados, o projeto de Bolsonaro é alterar o conteúdo de livros didáticos e filmes brasileiros, restringir o financiamento para bolsas e pesquisa, e intimidar intelectuais, jornalistas e cientistas. Pedimos à comunidade internacional para:
- Expressar solidariedade pública
- Condenar as tentativas do governo Bolsonaro de colocar pressão política em organizações culturais e artísticas
- Pressionar o Brasil para respeitar completamente a Declaração Universidade de Direitos Humanos e, portanto, respeitar a liberdade de expressão, de pensamento e de religião.
Finalmente, convocamos organizações de direitos humanos e a imprensa internacional para jogar luzes no que ocorre no Brasil. Este é um momento político grave. Devemos rejeitar a ascensão do autoritarismo.