Em mais uma ofensiva contra a Agência Nacional do Cinema (Ancine), o presidente Jair Bolsonaro decidiu atacar a principal fonte de fomento de produções audiovisuais no país. O projeto de lei apresentado ao Poder Legislativo prevê, em 2020, um corte de quase 43% do orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), reduzindo-o para R$ 415,3 milhões. É a menor dotação nominal para o fundo desde 2012, quando recebeu R$ 112,36 milhões.
Para o ano que vem, a maior redução foi registrada nos chamados investimentos retornáveis ao setor audiovisual por meio de participação em empresas e projetos. É por meio desta ação que a agência aporta dinheiro em produções em busca de retornos financeiros. Em 2020, esse orçamento passará de R$ 650 milhões para R$ 300 milhões.
Também haverá diminuição no apoio a projetos audiovisuais específicos. No próximo ano, haverá R$ 2,5 milhões destinados à ação, ante R$ 3,5 milhões no orçamento de 2019.
Ainda que o valor global tenha caído, o governo quase dobrou os recursos do financiamento ao setor audiovisual, uma espécie de empréstimo para produtoras ou empresários. Os valores passaram de R$ 50 milhões para R$ 97,3 milhões.
Para o ex-ministro da Cultura e deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ), o corte nos recursos do FSA é uma declaração de guerra do governo a um setor que gera empregos e é considerado icônico da nova economia.
— Todos os países investindo em indústrias que se relacionem à criação, à criatividade, e o Brasil na contramão disso. Seja na parte de pesquisa e desenvolvimento científico, seja na parte de cultura e artes — disse.
Calero lembrou que o fundo se retroalimenta com os próprios resultados das produções e com as taxas cobradas, como a Condecine, tributo pago pela exploração comercial de obras audiovisuais.
— Acaba sendo até pouco inteligente do ponto de vista da lógica administrativa. São medidas que têm um componente ideológico muito forte.
Calero considerou ainda a neutralização da Ancine um processo "atrasado e obscuro" de conter a vanguarda de pensamentos.
— No fundo você tem aí mais um elemento de um grande processo autoritário.
O corte nos recursos do FSA é a mais recente medida adotada por Bolsonaro para tentar controlar a gestão do fundo. O Palácio do Planalto já cogitou transferir o fundo para a Secretaria de Cultura, que faz parte do Ministério da Cidadania. A forte reação do setor, no entanto, fez o governo recuar e manter os recursos sob gestão da Ancine, que deve mudar de controle em 2020.
A agência tem sido alvo constante de ataques do presidente. No final de agosto, em almoço com jornalistas, Bolsonaro defendeu a nomeação de um diretor para a Ancine com perfil evangélico e a criação de um filtro de patrocínios.
O presidente reclamou publicamente do financiamento ao longa Bruna Surfistinha, de 2011. Segundo ele, a produção, que reconheceu nunca ter assistido, tinha "fins pornográficos".
O retorno dos investimentos nas produções nacionais é outro motivo de reclamação. Desde dezembro de 2007, quando foi regulamentado o FSA, só seis obras cinematográficas deram retorno acima do aplicado, segundo o mais recente relatório de gestão.
O Palácio do Planalto chegou a cogitar a extinção da Ancine. O presidente, no entanto, foi convencido de que a medida poderia ser criticada por afetar a regulação do setor.
Para ter um maior controle sobre a atuação do órgão federal, Bolsonaro definiu ainda que a agência reguladora será transferida, no próximo ano, do Rio de Janeiro para Brasília. Na mesma linha, o presidente assinou um decreto que transferiu da Cidadania para a Casa Civil o Conselho Superior de Cinema, responsável pela formulação da política nacional de audiovisual.