Uma saleta pequena com uma vitrine de vidro, medindo 2,5 x 3 metros, localizada no primeiro piso do Museu Julio de Castilhos, no centro de Porto Alegre, abriga, temporariamente, peças de valor inestimável para a história nacional. Reunido pela primeira vez, o conjunto de nove objetos remonta à Proclamação da República. Parte do acervo do museu, bandeiras, espadas, brasões e uma sela usada por Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil, estão em quarentena no local após uma pequena temporada em exposição no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
A medida, explica a museóloga e diretora do Julio, Doris Couto, serve para preservar os demais itens do acervo. Toda vez que uma peça sai por empréstimo e retorna ao local, é preciso deixá-la separada do restante para verificar se não houve nenhum tipo de contaminação durante o deslocamento.
— Não posso devolvê-las para a reserva técnica porque podem trazer contaminação do lugar onde estiveram. Nesse trajeto, podem ter adquirido fungos, cupins ou traças. Então, elas estão expostas e em observação ao mesmo tempo — explica Doris.
Saiba um pouco mais sobre as peças que mais se destacam e que devem ficar expostas juntas até março de 2020.
Arreio
Único no país, o arreio datado de 1890 foi doado em 1903 à instituição pela viúva de Deodoro. Com a base de madeira e de couro, o assento ostenta brasões da República bordados e veludo ornado em fios dourados. Exposto no museu em outras ocasiões, o objeto estava guardado na área de reserva técnica, espaço onde as coleções são armazenadas, e, pela primeira vez, é exibido ao lado de outros signos da mesma época.
— Deodoro da Fonseca usou esse assento no cavalo em 15 de novembro de 1890, no primeiro aniversário da Proclamação da República. Ele passou a tropa em revista usando esse arreamento — conta Doris.
Antes de decolar em uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB), no começo de novembro, a sela e os demais objetos passaram por um minucioso trabalho de limpeza. Foram 20 dias de trabalho árduo, das 8h às 22h, feito por uma equipe de três museólogos e um estudante. Pacientemente, o grupo limpou mecanicamente as peças e as preparou para a viagem. Com um pincel e um aspirador de pó posicionado a uma distância segura, todas as partículas de poeira foram retiradas, revelando as cores originais do brasão bordado: o que antes era amarronzado, revelou-se um verde muito claro.
Espadas
São espadas que trazem uma peculiaridade: estão gravados no metal tanto símbolos do Império quanto da República.
— Algumas delas são imperiais de um lado da lâmina e, do outro, trazem referências aos Estados Unidos do Brasil. Óbvio que ninguém ia colocar fora as espadas, então reciclaram, fazendo menção à República— descreve a museóloga.
Algumas das peças expostas participaram de conflitos importantes, como a Guerra do Paraguai.
Bandeira
Fazendo referência ao símbolo dos Estados Unidos, o primeiro modelo de bandeira brasileira republicana trazia listras horizontais em verde e amarelo e pequenas estrelas brancas dispostas sobre um quadrado azul.
— Ela mostra que a proclamação já estava sendo preparada nos bastidores, pois havia um modelo pronto. Isso é uma coisa bem importante — avalia Doris.
Disseminada pelos republicanos em todo o território nacional, a bandeira foi usada por um período curto de tempo, sendo prontamente substituída pelo modelo atual, inspirada, por sua vez, na bandeira imperial, substituindo o brasão monárquico pela esfera azul com as estrelas. O exemplar disponível para observação no Julio de Castilhos foi doado pela Caixa Econômica Federal. Conforme a museóloga, o desbotamento em algumas partes do tecido indica que ela chegou a ser hasteada.
A preparação
Guardadas na reserva técnica, as peças precisaram passar por um longo e minucioso trabalho de limpeza e tratamento antes de partirem para Brasília. Todas a peças de couro, já bastante desgastadas pelo tempo, precisaram ser reidratadas com vaselina. Os metais foram limpos com sabão de coco e água. Os bordados da sela, por sua vez, foram limpos mecanicamente com pincel e aspirador de pó a uma distância de 15 centímetros.
— A gente tirou cem anos de poeira dessa peça — recorda Doris.
Após esse processo, os objetos foram preparados para a viagem: os metálicos foram embalados em fitas de papel de seda amarrados em barbante e, depois, tudo foi acondicionado em caixas forradas de isopor e espuma. Todo esse trabalho está detalhado em fotos, que também estão expostas no museu.
— É uma satisfação poder colocar em prática toda a teoria museológica. É um privilégio o contato com essas peças que são portadoras da memória nacional e de um personagem que teve importância e singularidade no Rio Grande do Sul — conclui.
A mostra “Signos da República” pode ser visitada no Museu Julio de Castilhos (Rua Duque de Caxias, 1.205-1.231), de terça-feira a sábado, das 10h às 17h.