A mudança da Secretaria Especial de Cultura do Ministério da Cidadania para o Turismo, nesta quinta-feira (7), foi vista como "surpreendente" por Henrique Pires, ex-secretário da subpasta. Ele deixou o cargo em agosto após discordar do cancelamento de um edital da Ancine (Agência Nacional do Cinema) que previa financiamentos a produções audiovisuais, entre elas filmes com temática LGBT+.
Em entrevista a GaúchaZH, Pires também disse que Roberto Alvim, nomeado para a secretaria nesta quinta-feira, conhece o setor e que é "um homem próximo do presidente".
Assim como Pires, a secretária estadual de Cultura, Beatriz Araújo, acredita que a Cultura deveria ter um ministério próprio.
Confira a entrevista abaixo:
Como o senhor avalia essa escolha de Roberto Alvim para a Secretaria Especial da Cultura?
Ele conhece o setor. Apesar de polêmico, é gentil e educado no convívio profissional.
É culto e católico fervoroso. Sem dúvida, um homem próximo do presidente Bolsonaro.
Foi uma boa escolha?
Era uma escolha esperada pela frequente presença dele em despachos pessoais com o presidente sem a presença do ministro (Osmar Terra). Desejo sorte. O tempo vai dizer se
foi boa escolha.
E qual a sua opinião sobre a transferência da Secretaria Especial de Cultura do Ministério da Cidadania para o Ministério do Turismo?
Foi surpreendente essa mudança nesta semana tendo em vista que o ministro da Cidadania, Osmar Terra, assumiu a condição de presidente pro tempore da Comissão de Cultura do Mercosul. No próximo dia 11, ele recebe, nas Missões, ou deveria receber, os ministros da Cultura do Mercosul para uma reunião da qual seria o anfitrião. Ao tirar, a uma semana da reunião, a Cultura do escopo do Ministério da Cidadania, tiraram o objeto. Então, é uma situação surpreendente. O ministro convida para uma discussão que não está mais sob a responsabilidade dele.
O senhor consegue perceber alguma vantagem para a Cultura estar atrelada ao Turismo?
Aparentemente, não há nenhuma vantagem. Existem alguns programas conjuntos da área do turismo com a cultura que podem ser incrementados com mais vigor. A grande questão é a seguinte: o orçamento para 2020 já está delineado. Resta saber como o Ministério da Cidadania entrega para o Turismo os organismos que ele está recebendo e com qual orçamento. Veja o caso do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que, até semana passada, estava com a previsão de corte de 75% no seu orçamento para tocar todas as obras solicitadas para 2020. Ora, mandar o Iphan para o Turismo sem dinheiro significa uma coisa extremamente complicada, uma batata quente que se passa para lá. Acho que deve ser feita alguma revisão nesse decreto. Quem fez esse decreto, aparentemente, não se deu conta de que as vinculadas ao Ministério da Cultura, quando foi criado o Ministério da Cidadania, passaram a ser vinculadas ao gabinete do ministro e não ao secretário.
Lendo o decreto, embora ele seja bastante genérico nesse aspecto, o Iphan, o Ibram, a Ancine, a Fundação Palmares, a Biblioteca Nacional, a Casa de Ruy Barbosa, precisariam ter uma menção específica, pois da maneira que compuseram resta uma dúvida: será que essas instituições permanecem ligadas ao gabinete da Cidadania? Pois as políticas num aspecto macro foram passadas (ao Turismo). Mas essas instituições têm personalidade jurídica própria e são muitas antigas. Acho que esse decreto precisa ser revisto para que não haja nenhuma dúvida em relação às competências. Acho que faltou um certo cuidado, o que pode ser resultado de uma certa pressa.
Quais os principais anseios para a área cultural?
A grande preocupação na área cultural com as pessoas que converso diz mais respeito ao pacote que o ministro Paulo Guedes apresentou ao Senado nesta semana. Um desses pacotes cita a extinção de fundos de fomentos que existem e estão com seus recursos contingenciados. Isso é um problema. Da maneira que foi colocado, o fundo setorial que financia o cinema, o fundo nacional de cultura, que é aquele fundo contingenciado que recebe dinheiro das loterias, tudo isso estaria com datas de extinção. As pessoas que estão atentando para estes detalhes estão receosas de que possa haver uma extinção de fundos que são a esperança de recomposição de alguns orçamentos que não têm sido devidamente prestigiados. O argumento de que o fundo tem dinheiro que não é usado, ao meu ver, não é válido, pois o dinheiro não é usado pois o Ministério da Fazenda e, agora, da Economia, contingencia. Todo montante arrecadado das loterias brasileiras, um percentual vai para um fundo que visava resolver desequilíbrios regionais na distribuição de recursos para a cultura. Se tu colocas o dinheiro lá, que permanece na mão do ministro da Fazenda ou Economia, que não abre o cofre, evidentemente fica com o dinheiro.
Que vantagens havia para a Cultura estar atrelada antes à Cidadania?
Com a junção do Ministério do Esporte, da Cultura e Desenvolvimento Social acreditava-se que seria possível potencializar programas que seriam executados em conjunto, com ênfase em pessoas mais necessitadas, integrantes do cadastro único. Isso era apontado como vantagem do novo Ministério da Cidadania. Ao desligar a Cultura desse conjunto e reposicionar no Turismo, o governo sinaliza que a experiência não deu certo. Vê bem: neste primeiro ano de governo, trabalha-se com orçamentos preparados no ano passado, portanto, no governo Temer. Em 2020, teremos o primeiro orçamento feito pela gestão Bolsonaro. Parece que faltou planejamento, pois seria natural esperar reforços na estrutura para atingir as metas, não abandonar as metas e recortar setores ainda este ano. Em suma: essa transferência da Cultura pelo governo demonstra que o projeto Ministério da Cidadania não deu certo. Não me surpreenderia se a estrutura que sobrou fosse fundida noutro ministério.
Não seria mais adequado que a Cultura tivesse um ministério próprio?
Isso seria o ideal, visto a dinâmica da economia da cultura. Houve tentativa de recriação este ano, mas prevaleceu a tese do governo quando o assunto foi votado na Câmara. Daria para funcionar bem por meio de uma secretaria? Sim, bastaria que existisse suporte orçamentário e prioridades técnicas. Ao optar por prioridades políticas (veto a editais em curso) e preenchimento de secretarias sem observar o rigor técnico (Secretaria do Audiovisual trocou recentemente de secretário por conta disso), isso fica bem mais difícil.
A melhor política de fomento é a Lei Federal, que existe desde 1991, apelidada Rouanet, criada por este (e ele não foi ministro, foi secretário). Ou seja: ministério ou secretaria podem funcionar, desde que permitam que as pessoas da área trabalhem. Isso não se pode ameaçar.