Uma extensa área com valor histórico, que compreende construções dos séculos 19 e 20, está com o futuro incerto na Região Metropolitana. O Corredor Cultural de Novo Hamburgo — com cerca de 1,7 mil metros quadrados e que abrange 270 lotes e 80 imóveis , entre residências e estabelecimentos públicos, privados e comerciais — teve seu processo de tombamento arquivado no final de março pela Secretaria Estadual da Cultura (Sedac), deixando desde então em alerta quem luta pela preservação da zona, que tem como um de seus principais eixos a Rua General Osório. Na quinta-feira (11), representantes da prefeitura de Novo Hamburgo e da Sedac se reuniram para definir os rumos do espaço.
O encontro, no entanto, foi pouco conclusivo.
Segundo Fatima Daudt, prefeita da cidade, formas alternativas de garantir a preservação do corredor estão sendo pensadas com a Sedac, porém os termos da cooperação entre as instituições ainda não estão definidos. Fatima não exclui até mesmo a possibilidade de reverter o arquivamento do processo para tombar a área.
— Nós não gostaríamos que isso (o arquivamento) tivesse acontecido. Mas, como aconteceu, vamos encontrar agora a melhor solução para continuar mantendo nossa história e nosso patrimônio — assegura a prefeita.
As ações de tombamento são de responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae), orgão ligado à Sedac. Para Renata Galbinski Horowitz, diretora do Instituto, é a prefeitura, e não o governo do Estado, que deve assumir o protagonismo da conservação da área. Segundo Renata, o Iphae tem limitações de estrutura e pessoal que inviabilizam o cuidado de áreas de tombamento tão grandes. A solução proposta por ela é um termo de cooperação técnica, para que o Iphae ajude a capacitar uma equipe do município a ter autonomia para zelar pelo acautelamento dos imóveis.
– Temos 497 municípios no Rio Grande do Sul. Se formos fazer em todo o Estado tombamentos de áreas de grandes extensões como essa, chegaremos a um número inadministrável. Por isso, propomos uma nova metodologia, no sentido de dar sustentabilidade a todo esse acervo. É uma forma que não é nova e ocorre em vários lugares do Brasil. O Corredor Cultural do Rio, por exemplo, foi instituído pelo município e é extremamente preservado – afirma Renata.
Veja a abaixo a área do Corredor Cultural de NH.
Em dezembro 2015, a Sedac chegou a emitir uma notificação coletiva, estabelecendo prazo de 30 dias para que proprietários de bens na área do Corredor Cultural se manifestassem no sentido de "anuir ou impugnar a iniciativa" do tombamento. Como nenhuma ressalva foi apresentada, a expectativa era de que, no mês seguinte, os imóveis fossem tombados. Mais de três anos depois, o processo foi arquivado sem a formalização, o que frustrou muitos hamburguenses que se dedicam a preservar o espaço.
— A comunidade recebeu muito bem a ideia do tombamento, e vários investidores compraram e restauram imóveis nessa zona. Agora, tudo isso corre risco — diz Angelo Reinheimer, da Fundação Ernesto Frederico Scheffel.
Sem o tombamento, o único instrumento que assegura a manutenção da ambiência histórica da área é o Plano Diretor de Novo Hamburgo, que considera o Corredor Cultural uma zona especial, estabelecendo parâmetros mais restritivos para a altura de construções e alterações de fachada no local. O receio de quem trabalha em prol da preservação histórica é de que a prefeitura ceda a pressões de grandes incorporadoras e estabeleça limites mais permissivos para a construções, possibilitando a edificação de arranha-céus, por exemplo. "Esta escolha da Sedac abre caminho liso para que as pressões da especulação imobiliária frutifiquem", declarou o Conselho Municipal de Políticas Culturais de Novo Hamburgo, em um manifesto divulgado na quinta-feira (11).
Já a prefeita Fatima Daudt assegura que o Plano Diretor não excluirá as proteções da área:
— No momento em que se mexe no Plano Diretor, é preciso fazer audiência pública, passar pela Câmara de Vereadores. Não há a mínima possibilidade de que garantias sejam retiradas. Não é algo que está em cogitação. Junto com a Sedac, vamos achar o melhor caminho para a preservação da nossa história.
O empresário carioca Olav Schrader foi um dos investidores que apostou em NH por conta do patrimônio histórico da cidade. No ano passado, o empreendedor abriu no Corredor o complexo Casa Amarela, que reúne atualmente dois espaços gastronômicos.
– São não fosse o tombamento jamais teríamos investido em Novo Hamburgo. Você investe se o Estado dá a garantia mínima de preservação do conjunto. Não adianta ter um bem tombado, lindíssimo, histórico, se do lado você pode construir um posto de gasolina e um edifício espelhado. Você quebra a ambiência, a harmonia – explica Schrader.
Em carta aberta ao governador, divulgada na semana passada, a Fundação Scheffel observa que o "investimentos dessa nova classe empreendedora estão alinhados com as práticas de países desenvolvidos, que exploram seus conjuntos históricos de forma inteligente". Angelo Reinheimer, que assina o documento, também esteve no final de março no Ministério Público (MP), para solicitar providências do órgão ao arquivamento do processo de tombamento pela Sedac. O MP já abriu um inquérito civil com objetivo de investigar "eventuais riscos ao sítio histórico".
– Queremos somente que a Sedac cumpra a lei, ou seja, dê continuidade no processo e realize o tombamento –afirma Reinheimer.