Um dia depois do anúncio de mudanças na Lei Rouanet, gestores culturais do Rio Grande do Sul avaliam o possível impacto nos projetos gaúchos em meio a dúvidas, pois a Instrução Normativa que detalha as transformações ainda não havia sido publicada até a tarde de terça-feira (23).
Na segunda-feira, a Secretaria Especial da Cultura, vinculada ao Ministério da Cidadania, divulgou um vídeo em que o ministro Osmar Terra informava a redução do teto de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão por projeto. E cada empresa proponente poderá captar, no ano, até R$ 10 milhões para um grupo de projetos – antes, o limite também era de R$ 60 milhões. Esses são os valores a serem captados com os investidores, que por sua vez poderão abater o valor do Imposto de Renda. A Rouanet não oferece investimento direto do governo federal nesta modalidade.
Outra mudança é que o governo passará a se referir apenas à Lei de Incentivo à Cultura, deixando de utilizar o apelido Lei Rouanet (veja no destaque).
O Rio Grande Sul teve aprovados em 2018 pelo menos 49 projetos com valores acima de R$ 1 milhão, entre eles os da Bienal de Artes Visuais do Mercosul de 2020 (R$ 13 milhões), da Fundação Iberê Camargo pra 2019 (R$ 8 milhões) e da série de Concertos da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) em 2019 (R$ 3,8 milhões). Esses valores não representam ao que é efetivamente investido, mas sim o que foi autorizado a ser captado. A maioria dos projetos não consegue captar o valor total e utiliza, complementarmente, outros mecanismos de financiamento, como a Lei de Incentivo à Cultura estadual, patrocínios diretos, apoios e crowdfundings.
Há exceções ao teto de R$ 1 milhão por projeto. Não há limite para os planos anuais e plurianuais de entidades sem fins lucrativos, como museus e orquestras. Enquadram-se nessa categoria, em tese, a Fundação Iberê Camargo e a Ospa.
A Instrução Normativa a ser publicada no Diário Oficial da União deve esclarecer questões como a garantia dos projetos já aprovados e outras especificidades.
— Falar sobre a Lei Rouanet antes da publicação das mudanças (na Instrução Normativa) é especulação. É difícil avaliar. Poucas leis sofreram tantas mudanças quanto esta, o que já coloca a cultura em segundo plano. Vai passando o tempo e vão remendando. Não há seriedade na tomada de decisão para que a cultura faça parte do país — diz Emilio Kalil, diretor-superintendente da Fundação Iberê Camargo.
Carlos Konrath, presidente da Opus Promoções, empresa que realiza grandes shows e espetáculos em Porto Alegre e em outras cidades do país, avalia que a redução do teto por projeto “não vai fazer com que a lei possa dar mais oportunidades a grupos e atores que buscam desenvolver sua carreira”:
— Não vai alavancar quem precisa e vai gerar problema para os setores mais desenvolvidos. Grandes produções, como o teatro musical, se alavancam a partir da Rouanet, mas proporcionam uma contrapartida social grande, e disso ninguém fala.
Para Konrath, toda a cadeia produtiva da cultura pode ser comprometida:
— O grande vira médio, o médio vira pequeno e o pequeno passa a ter que ralar de novo para buscar espaço. Novamente, é o pequeno que vai sofrer. O ator pequeno e o público que não tem condição de acesso à cultura. O problema não está na verba, mas sim em como você faz para alavancar a cultura do pequeno. Diminuir a verba dos grandes?
Projetos de Restauro Constam das Exceções
Segundo a Secretaria Especial da Cultura, tampouco há limite para projetos de conservação e restauração de espaços tombados por qualquer esfera de poder, projetos de preservação de acervos, exposições com acervos museológicos e construção de equipamentos culturais, bem como a construção de salas de cinema e teatro em cidades com menos de cem mil habitantes.
Haverá um teto de R$ 6 milhões para projetos que promovam datas comemorativas nacionais, festas populares concertos sinfônicos, óperas, desfiles festivos e eventos literários. Nesses casos enquadram-se, no Estado, a Feira do Livro de Porto Alegre de 2019, que obteve autorização para captar R$ 1,4 milhão pela Rouanet, e o Natal Luz de Gramado, cujos organizadores ainda prospectam um projeto para captar cerca de R$ 4 milhões para a edição de 2019.
Especialista em economia da cultura, o professor da UFRGS Leandro Valiati acredita que as mudanças “sinalizam um período de grande dificuldade para a cultura brasileira, principalmente no contexto de crise”:
— É evidente que a Rouanet precisa ser revista, mas para mim o debate não é sobre ela, e sim sobre todo o sistema de financiamento à cultura. Vejo com preocupação uma mudança desse porte porque não toca no Fundo Nacional de Cultura e não tenta trazer mais recursos para a cultura como uma área estratégica que gera emprego, renda e retornos econômicos diretos e indiretos.
Para o produtor cultural Carlos Branco, da Branco Produções, que realiza shows e espetáculos nacionais e internacionais, a cultura no Brasil “pararia” sem leis de incentivo como a Rouanet:
— A cultura sempre teve uma verba muito reduzida no ministério. Sem essa lei, não existiria nada no Brasil, pois o ministério não tem verba para destinar. Temos a LIC estadual e o Fumproarte (da prefeitura de Porto Alegre), mas a Rouanet é a principal lei do país.