As mudanças na Lei Rouanet anunciadas pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, na noite de segunda-feira, estão por ser chanceladas na instrução normativa a ser publicada no Diário Oficial da União nesta quarta-feira (24). Entre as principais alterações no mecanismo de fomento à cultura, a começar pela extinção do nome (passa a se chamar Lei Federal de Incentivo à Cultura), estão a redução do limite máximo por projeto de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão. No caso de um conjunto de projetos apresentados por um proponente, o valor caiu dos mesmos R$ 60 milhões para R$ 10 milhões ao ano. Haverá exceções a projetos como restauração de patrimônio tombado, construção de teatros e cinemas em cidades pequenas e planos anuais de entidades sem fins lucrativos, como museus e orquestras.
Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, na manhã desta terça (23), a secretária estadual da Cultura, Beatriz Araujo, comentou as mudanças. Para a titular da pasta, a principal (mudança) é o interesse que o governo tem em não permitir mais a concentração de recursos em poucos projetos, porque, de acordo com ela, o eixo Rio-São Paulo tem sido beneficiado com a lei e com projetos muito grandes, como musicais do porte de O Fantasma da Ópera.
— A capacitação de recursos (acaba sendo) bastante significativa. A lei foi demonizada injustamente, mas isso também foi alvo da campanha do presidente Bolsonaro, que já falava dessas mudanças que achava importantes e realmente é o que eles estão falando agora, uma alteração profunda nessa legislação. Eu penso que, somadas todas essas mudanças, que não são poucas, nós poderemos ter uma lei mais justa e que tenha um alcance maior em todo país. Considerando que eles estão fazendo uma articulação junto às estatais, visando a disponibilização de editais regionais, ou seja, as estatais que poderiam alocar recursos em um grande projeto agora pode disponibilizar recursos por editais que atendam todas as regiões do país. De alguma forma, me parece que nós teremos uma evolução nessa questão, eu estou bastante otimista.
A secretária garantiu que os projetos que eram viabilizados pela Lei no Estado estão garantidos.
— Acho que tem essa questão, por exemplo, das restaurações que poderão ter projetos acima de R$ 1 milhão, a construção de teatros, planos anuais. Onde existir uma ONG, que não visa lucra e possui um plano anual de atividades artísticas, como uma orquestra, uma feira do livro, uma Bienal do Mercosul, poderão contar com projetos com valores acima de R$ 1 milhão. Passa a existir a exigência de uma contrapartida em ações educativas e comunidades, que a nossa lei estadual já possui, o que eu acho muito benéfico, porque amplia o projeto dando um enfoque social, não somente artístico.
Ao comentar aumento do número de gratuidades para os espetáculos que se beneficiarem da lei e a exigência de ingressos populares, Beatriz Araujo disse que "aí existe uma fragilidade":
— Eu ainda não tive acesso à instrução normativa (será publicada nesta quarta-feira), mas me parece que vai complicar um pouco. Quem trabalha na produção artística, já tem outras legislações, já lida com a meia-entrada para estudantes, idosos, e a gente sabe que isso acaba onerando o cidadão que não está contemplado nesses grupos. Às vezes o ingresso vai lá para cima para poder viabilizar aquele espetáculo. Os valores ficam muito acima do que deveriam para que o meio ingresso viabilize aquela produção. Essa parte de comercialização de ingressos, do limite de valores e da gratuidade, eu penso que pode existir alguma fragilidade na execução e efetivação dessa exigência que passa a ser feita a partir de agora. Mas, como eu disse, isso é a primeira vista que me parece que tem alguma fragilidade.
A secretária comentou que é mito a informação de que o grosso do dinheiro fica com os produtores que conseguem benefício da Lei Rouanet, "porque existem limites para projetos". Declarou ela:
— O produtor cultural tem um limite de 10 a 15%, dependendo da atividade. Não existe a menor possibilidade desse percentual estar acima do que é permitido pela lei. Voltando à demonização da lei, o incentivo fiscal, o incentivo à cultura viabilizado por essa lei federal, ele não passa de meio por cento dos incentivos que são disponibilizados para todos os outros setores da economia, então eu acho que essa demonização foi realmente muito danosa à produção artística brasileira porque fragilizou muito o segmento. Todos ficaram em uma situação bastante difícil. Penso que agora é o momento de realmente tirar o nome da Lei Rouanet porque foi massacrante o que foi feito em termos de demonização. Que seja uma nova etapa e que possamos caminhar de uma forma mais tranquila e com mais segurança. Temos que oferecer aos artistas e aos produtores culturais mais segurança e mais tranquilidade para poderem exercer suas atividades.
Em relação à indústria do audiovisual, que está praticamente parada porque a Ancine, com base em uma decisão do Tribunal de Contas da União, paralisou todas as liberações de recursos do fundo que financia a produção audiovisual, Beatriz informou que tem feito alguns contatos com o governo federal nesse sentido, "até porque temos um edital para ser disponibilizado que totaliza R$ 7,5 milhões para a produção audiovisual aqui do Rio Grande do Sul".
— Com essas notícias todas, ficamos inseguros em termos de dar sequência a esse trabalho. A informação que eu tive do governo federal, do secretário da Secretaria de Incentivo a Cultura, o (José Paulo) Martins, é que a Ancine não teria recebido ainda uma autuação formalizada nesse sentido de que deveriam paralisar as atividades, mas a própria Ancine já estaria se antecipando e fazendo uma força-tarefa para análise das prestações de contas porque também isso é um problema não só da Ancine. O sistema todo de incentivo à cultura no Brasil, seja dos governos federal ou estadual, tem um funil, entram muitos projetos e, na hora de prestações de contas, as equipes são menores do que devem ser e não dão conta de toda a análise. Isso fragiliza o sistema. Aconteceu com a Ancine como acontece também com a lei federal e também com a lei estadual. Nós aqui estamos tentando resolver essa situação porque são muitas prestações de contas que ficam paradas. E, quando vem, o Tribunal de Contas naturalmente vai atrás tentando dar normalidade e fazer com que esses sistemas funcionem e fluam de forma melhor.