Ao ser nomeada pelo governador Eduardo Leite, Beatriz Araujo recebeu como primeira missão "refundar" a Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), que estava integrada às áreas de Turismo, Esporte e Lazer (Sedactel). A dupla repete a parceria firmada em Pelotas, quando Leite era prefeito e Beatriz estava à frente da secretaria municipal da Cultura. Beatriz nasceu na cidade, em 1962, e lá construiu uma carreira na área cultural, trabalhando como produtora independente e envolvendo-se na restauração de prédios históricos, como a Bibliotheca Pública Pelotense, a casa de João Simões Lopes Neto e o Theatro Sete de Abril, do qual foi diretora entre 1988 e 1992. Recentemente, em Porto Alegre, trabalhou na coordenação e produção executiva da 11ª Bienal do Mercosul. Nesta entrevista, ela revela quais os primeiros planos para a Sedac.
Quando o secretário Victor Hugo assumiu, em 2015, havia o discurso de enxugar a estrutura e depois a secretaria foi fundida a outras. Voltar a ser um órgão independente acarreta em mais pessoal e verbas?
Em mais verba espero que acarrete, porque o meu papel não é economizar. É buscar condições para a gente ter dignidade para trabalhar. Buscar investimento na cultura é uma das lutas que vou ter, sempre. A secretaria não ficou maior. Resgatamos a estrutura anterior, não criamos nenhum cargo. Em termos de investimento em salário, está um pouquinho menor.
Qual o orçamento para 2019?
São R$ 51,4 milhões. A parte fixa de investimentos em manutenção e pessoal é pesada em razão dos equipamentos que a Secretaria tem (são 26 no total). Uma das maiores despesas, bem maior do que os salários, é a segurança.
Já diagnosticaram os maiores problemas a serem resolvidos?
Estamos finalizando o processo de separação das secretarias e fazendo um levantamento da situação geral, que ainda não foi entregue, mas as urgências foram apresentadas para que a gente comece a pensar em estratégias.
Qual a prioridade?
No departamento de fomento, atualmente a Lei de Incentivo à Cultura (LIC) está paralisada por falta de uma definição do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne secretários da Fazenda de todo o país para decidir sobre incentivos fiscais e impedir, principalmente, guerra fiscal entre os Estados. Só que a LIC, que não produz nem um tipo de guerra fiscal, entrou nesse conjunto de leis que são analisadas pelo Confaz. Como a reunião só aconteceria em abril, buscamos uma reunião virtual, que conseguimos antecipar. Se tudo der certo, ela vai resultar na volta do funcionamento da LIC. É o único mecanismo, junto com o Fundo de Apoio à Cultura (FAC), que tem dado suporte a projetos culturais de todo o Rio Grande do Sul.
Embora a LIC/RS e o FAC sejam importantes mecanismos de fomento à cultura, a classe artística questiona a timidez das operações nos últimos anos.
O que pretendo alterar em relação ao Pró-Cultura (que engloba a LIC e o FAC) é ampliar os recursos disponibilizados hoje. Este não é o momento para falar em aumento de custos sabendo da situação em que o Estado se encontra. Mas a gente sabe que a LIC permite que se invista até 0,5% da receita líquida do Estado em cultura. Significa R$ 130 milhões. O que é disponibilizado há seis anos é R$ 35 milhões. É uma distância monumental que vai ser difícil recuperar com o tempo que temos, quatro anos. Aliás, três. O orçamento que vamos trabalhar agora em 2019 com a LIC tem R$ 39 milhões. O Fundo de Apoio à Cultura tem um orçamento de R$ 9,7 milhões que, na verdade, não é oriundo dos cofres do Estado, é a contrapartida que as empresas têm que dar quando patrocinam um projeto da LIC. A LIC atende ao mercado e o FAC viabiliza editais da Secretaria de Cultura que atendem a projetos que não despertam o interesse do mercado.
Como fortalecer esses mecanismos em um momento em que a LIC sofre tantas críticas?
Proponho que a gente faça uma pesquisa séria para mostrar o resultado do investimento em cultura para a economia do Rio Grande do Sul, porque isso está sendo provado pela Fundação Getulio Vargas em nível de Brasil, mas temos que ter isso localmente para que as pessoas e o próprio governo percebam que lei de incentivo não é gasto, é investimento. A secretária de Planejamento, Leany Lemos, já demonstrou interesse em colaborar com a Secretaria da Cultura fazendo essa pesquisa para apresentar para o governo e às forças vivas do RS os dados concretos de resultados na economia. Quero que no próximo ano a gente já tenha um acréscimo desse investimento. Existe uma dívida histórica do Estado, que é ver o investimento em cultura como gasto supérfluo. Não é, é investimento.
O ano passado ficou marcado pela tragédia do Museu Nacional. Qual seu plano para as instituições gaúchas que ocupam prédios em condições precárias?
É uma preocupação grande. O diagnóstico de todos os equipamentos culturais está sendo feito, tem museu fechado, tem museu aberto, mas por fechar. Teremos uma força-tarefa para apresentar um plano de uso e manutenção e recuperação de cada um desses equipamentos. A partir daí, estou fazendo contato com colegas que atuam na área de contratualização, para fazer parcerias com organizações sociais ou público-privadas para viabilizar a gestão. Pelo que pude perceber até o momento, é impossível dar manutenção adequada para cada um desses prédios com o orçamento que a secretaria tem. Não há nenhuma possibilidade. Para museus que estão em outros municípios, vamos fazer contato com as prefeituras. Quando chega no Estado a demanda do diretor de uma instituição, junto com ela tem outras sete de outros gestores e é preciso escolher quem atender. É assim que vem acontecendo, é por isso que esses equipamentos não têm PPCI (Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios) aprovado, têm problemas de telhado ou climatização.
Então as parcerias com instituições privadas e associações serão uma política do governo?
Sim. O governador acredita que é uma alternativa interessante onde existir um interesse mercadológico, desde que os serviços sejam prestados de forma adequada ao cidadão. O Estado atuará mais fortemente onde a iniciativa privada não quiser atuar, porque alguns equipamentos não vão dar a mesma visibilidade que um equipamento na Praça da Alfândega.
O Museu de Arte Contemporânea do RS (MAC) segue sem sede fixa. Está hoje na Casa de Cultura Mario Quintana, com condições de exposição não muito adequadas em quesitos como segurança e climatização. Qual a perspectiva para ele?
O governador está sensibilizado com essa questão. Na última semana, ele me disse que quer conhecer o MAC. Não posso divulgar, mas existe já a intenção de buscar uma sede, mesmo que seja para uns quatro ou cinco anos, para poder dar dignidade ao MAC e ao acervo, porque é bem complicado ter uma reserva técnica espalhada em lugares diferentes. Pode acontecer, mas ainda vai levar um tempinho. Quem está à frente do MAC agora é o André Venzon, que já estava inteirado da situação do museu e foi um dos primeiros a me trazer um relatório e apresentar demandas.
Há muito tempo o Margs não traz exposições de fora do Estado, e os artistas que expõem lá precisam arcar com alguns custos. Quais os planos para o principal museu de arte do Estado?
Quem assumiu o Margs foi o Francisco Dalcol e certamente mudanças virão e vocês vão perceber logo. Ele vai deixar a marca dele, vai ser um diretor que vai atuar como curador também. Algumas demandas em termos de financiamento das exposições já me foram apresentadas por ele, e são pertinentes. A Associação dos Amigos do Margs pensa como o Francisco: quando o museu faz uma exposição, não deve ser o artista a financiar a montagem. Estamos trabalhando agora em um problema na climatização, cuidando um pouco da casa e ao mesmo tempo do projeto que existe da associação de amigos, e algumas rubricas devem ser direcionadas para as próximas exposições. Claro que buscar grandes exposições certamente estará na pauta da direção, mas eu não poderia falar disso neste momento. Neste ano, vamos trabalhar com o orçamento que herdamos, ele já foi feito em 2018, não teria como mexer muito.
Na época da Queermuseu, a senhora se manifestou contra o fechamento da exposição. Desde então, tivemos outros episódios de manifestações contra exposições de arte, como se viu com a mostra Santificados, e peças como O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu. Você entende que a secretaria tem um papel a cumprir em casos assim?
Trabalho com cultura desde o tempo em que, para colocar um espetáculo no palco do Theatro Sete de Abril, que eu dirigia, a gente tinha que viajar até Rio Grande para levar o texto à Polícia Federal e receber o carimbo da censura. Fazíamos isso porque queríamos que os espetáculos fossem para o palco. Era um momento delicado, mas passamos por isso. Então, o que penso que temos que fazer agora é passar por isso, convivendo com situações que nem sempre serão as mais desejadas, mas a tranquilidade com relação a qualquer momento é o que vai permitir que a gente continue um trabalho sem tanto tumulto. Não acredito que vá acontecer novamente o que ocorreu naquele período. Em seguida, a Bienal do Mercosul, que coordenei, transcorreu de forma relativamente tranquila. Embora houvesse obras que pudessem causar estranhamento ou incomodação, colocamos avisos. O cuidado que tivemos foi fundamental para que não houvesse uma repetição daquele triste episódio no Santander.
Você enxerga paralelo entre a ditadura e o momento atual?
O que quis dizer é que já passamos por coisa pior e sobrevivemos, ninguém deixou de fazer teatro, música, as pessoas faziam arte num período bastante delicado. Acho que é isso que vai acontecer sempre. A arte é transgressora, sempre vai desacomodar, trazer desconforto em algum momento, mas ela é para isso.
Os três cinemas da Casa de Cultura Mario Quintana estão longe das melhores condições. Há intenção de modernizá-los?
Antes de eu vir para a secretaria, o patrocinador que é parceiro de um dos projetos da minha empresa me escreveu dizendo que em março a Sala Eduardo Hirtz vai estar totalmente atualizada. Esse tipo de investimento é importante para a iniciativa privada. A Petrobras colocou uma verba importante no Capitólio, por isso está lá funcionando, com o nome deles, porque para eles é bom. O que tenho em mente é que as salas devem ser qualificadas com parcerias. Na Sala Eduardo Hirtz, teremos empresas associadas (Banrisul, Icatu Seguros e Rio Grande Seguros).
O Rio Grande do Sul é reconhecido como um dos polos audiovisuais do Brasil e contou, em passado não muito distante, com um papel mais presente de órgãos como o Iecine, que manteve uma linha de prêmios voltada para produção de curtas e finalização de longas. Realizadores reclamam que a presença do Estado hoje na área é tímida, sobretudo em comparação com o governo federal.
O Iecine ainda não tem uma nova direção, mas vai ter. Estou procurando uma pessoa que possa trazer inovação, uma pessoa jovem, que transite bem, porque o audiovisual mudou muito. De 10 anos para cá, é uma coisa fantástica o que aconteceu em termos de produção audiovisual no RS. Hoje a gente encontra quem trabalha com orçamentos de milhões para um longa e quem trabalha com alguns milhares. A pessoa que vai estar à frente do Iecine tem que ter o perfil de alguém que transita no meio atendendo a quem trabalha com cinema desde sempre, com esses orçamentos bastante pesados. Vou tentar resolver o que há de pendência, que é um edital que foi anunciado com investimento total de R$ 7,5 milhões. Não ficou recurso para a contrapartida do Estado, que é de R$ 1,5 milhão, mas estou negociando dentro do governo para a gente poder colocar o edital na rua.
O Instituto Estadual do Livro (IEL) na última gestão praticamente abandonou uma de suas atribuições, a publicação de novos autores. Há previsão de retomada das atividades?
Nós reconduzimos a Patrícia (Langlois) e a nossa preocupação maior é que o IEL tenha programas permanentes de incentivo à leitura. Um que achava bastante interessante era o Autor Presente, que levava escritores a salas de aula, viajava a municípios e os municípios que se interessassem em receber já adquiriam obras daquele escritor. Esse tipo de programa tem que existir. Quanto a publicar novos autores, talvez a gente possa trabalhar com editais nessa direção. O FAC pode lançar edital para a publicação de novos autores sob o olhar do IEL, é perfeitamente viável trabalhar nessa direção. Hoje muitos autores conseguem publicar as suas obras. A prioridade é o incentivo à leitura.