Por José Francisco Alves
Bacharel em Escultura, mestre e doutor em História e Crítica de Arte
Nas artes, vivemos uma polêmica cercada de muita revolta por parte de artistas e técnicos em espetáculos de diversão pública (artes cênicas e audiovisual). O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a julgar a inconstitucionalidade de pontos da lei que regulamentou essas profissões, em 1978. Vislumbram-se "ameaças às conquistas das categorias", "a desvalorização dos artistas" e "o fim do registro profissional". Porém, nada disso está em causa. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 293 (ADPF 293) não diz nada a respeito do fim do registro ou da perda de conquistas.
A arguição do então procurador-geral da República Rodrigo Janot visa unicamente excluir do registro de quem quer trabalhar em arte a exigência de diploma, certificados de habilitação ou "atestado de capacitação profissional fornecido pelo sindicato das categorias". Conforme Janot, "a liberdade de expressão artística não deve, no regime da Constituição [...], sofrer limitações de natureza política, ideológica ou artística". Isso considerado na possibilidade de um artista ter tido negado para si o registro para trabalhar; no caso, o ganha pão dos artistas é o próprio exercício da liberdade artística constitucional.
Sendo excluídas essas exigências, permanece a obrigatoriedade do registro. Isso porque a regulamentação da arte, por si só uma excrescência, tem nesse caso uma exceção. Os artistas de espetáculos têm seu exercício profissional condicionado à tutela de sindicatos (os Sated's), por decisão do legislador, eis que se trata de artes de produção coletiva, sob complexos contratos e relações de trabalho, com a existência de empregados e empregadores etc. Por essas obviedades, a ADPF 293 não se propõe a mudar essa estrutura.
O que me preocupa nessa polêmica, como artista, curador e historiador de arte, é que ela reacendeu um antigo equívoco. Vejo artistas e similares a trazerem de volta a tal proposta da "regulamentação do artista plástico", como "valorização da profissão". Ledo engado. Para quem se deu ao trabalho de ler a ADPF 293, só se regulamentam profissões em certos casos. A norma é o livre exercício. Os artistas plásticos compõem uma das atividades profissionais mais reconhecidas e protegidas da cultura, sem que, para isso, o artista precise sustentar com taxas e contribuições uma guilda (conselho, sindicato ou ordem), e, principalmente, que tenha alguém a julgá-lo, a definir quem faz ou não parte da categoria. Ou seja, a escolha de quem pode ou não ser artista.
O reconhecimento da profissão do artista plástico é total (IRPF, INSS etc.). Trata-se de uma das poucas atividades em que a sociedade pode subsidiar o trabalho, com leis de incentivo, editais, prêmios e similares. Soma-se a isso a forte proteção da Lei dos Direitos Autorais. Em 1991, como presidente da Associação Chico Lisboa, pude conduzir uma importante conquista, que teve a participação decisiva do artista Iberê Camargo: a isenção aos artistas plásticos do ICMS na venda de suas obras. Até hoje essa norma federal está em vigor pelo Conselho Nacional de Política Fazendária. Tal benefício demonstra ser irrelevante para a profissão ser regulamentada ou não. E o prestígio artístico de Iberê pesou bem mais do que a representatividade da entidade de classe.
Como o artista plástico exerce a profissão? De forma autônoma, expondo onde e como queira, vendendo obras direto, por intermediários, participando de editais, concorrências etc. Não há o que regular, não há que se criar mais dificuldades e controles.
O artista plástico nunca é empregado; em várias situações, um ativo empregador. Ele equivale-se muito ao escritor. Aliás, volta e meia alguém lembra a patética ideia de regulamentar a atividade de escritor, para "valorizá-la". No esteio dos lobbys das guildas e da demagogia parlamentar, equívocos repetem-se na área cultural, nas almejadas regulamentações (historiadores, designers, restauradores, produtores culturais etc.). Ou seja, a criação de esferas de controle (e seus grupos), mas este é outro assunto cabeludo.
O caso da ADPF 293 nos alerta de que as normas legais precisam existir para servir ao desenvolvimento da arte, para ampliar, e não ao contrário. A burocracia, como sempre, serve para limitar o exercício das profissões, na proteção de quem já está dentro. No caso dos artistas plásticos, menos profissionalizados do que o pessoal das artes cênicas e do cinema (no sentido de viverem só de arte), a tal regulamentação é vendida como certos pastores vendem o céu, na esperança de que o pagamento do dízimo (registro) venha a abrir as portas do paraíso. Uma enganação que custará caro.