Ao caminhar pelos corredores do POPCenter (antes conhecido como camelódromo), o artista baiano Mano Penalva passa por uma parede de calças organizadas em escala cromática – amarelas, laranjas, vermelhas –, raquetes para matar mosquito com luzes piscantes e um jardim vertical de bonés floridos sobrepostos um ao outro. Ele está animado: a estética dessas “vitrines” inspira suas obras, construídas a partir de objetos encontrados na rua ou adquiridos em mercados populares.
– As vitrines de superlojas às vezes optam por algo minimalista. Aqui (POPCenter), mais é mais. Isso é uma linguagem. Na arte contemporânea, dizemos que o excesso comunica. No camelô também – comenta o artista.
Penalva, 29 anos, é o primeiro convidado de um novo programa de residência artística que aproximará a arte contemporânea do POPCenter. Na semana passada, ele passou alguns dias em Porto Alegre para conhecer o centro de compras e planejar obras que serão construídas coletivamente, em um workshop.
Radicado em São Paulo, Penalva cria trabalhos com sacolas de ráfia, canos, cordas e outros materiais simples. Em 2016, mobilizou cem pessoas para costurar um tapete de 35 metros quadrados para o Largo da Batata, em São Paulo, onde a falta de mobiliário urbano suscitava queixas. O nome do artista acaba de entrar no radar da venezuelana Adriana Cisneros, presidente do grupo Cisneros, dono do maior acervo privado de arte latino-americana do mundo, a Colección Patricia Phelps de Cisneros. A executiva comprou dois de seus trabalhos.
Formado em Comunicação, Penalva cursou Ciências Sociais e trabalhou com pesquisa de comportamento. Levou o aprendizado ao ateliê ao estudar arte na escola carioca Parque Lage.
– A arte é para todos, mas algumas coisas você acessa se tem bagagem. Um ponto do meu trabalho é que, por meio desses materiais simples, a aproximação seja mais rápida – explica.
A residência artística foi um fruto inesperado de uma viagem da diretora do POPCenter, Elaine Deboni, a Paris.
– Um dos professores me apresentou ao curador e marchand Frank Marlot como uma personalidade que trabalhava na inclusão profissional de camelôs. E Frank falou: “Esse projeto é maravilhoso. Como posso te ajudar?”. Eu disse: “Faz uma exposição no meu shopping” – relata Elaine, orgullhosa.
O francês Marlot é o atual tutor das obras da família Picasso. Por 20 anos, trabalhou na Galerie Denise René, na capital francesa, estreitando relações com artistas da América do Sul. Com passagem comprada para São Paulo, onde prepara a exposição A Matéria da Cor, com nomes como Yves Klein, na galeria Raquel Arnaud, Marlot estendeu a viagem a Porto Alegre e, em 21 de janeiro, conheceu o POPCenter.
– Arte também é compromisso com a comunidade. Com um quebra-cabeças, o artista transpõe as ansiedades e expectativas da sociedade. Um workshop com um artista é uma ótima oportunidade para o POPCenter vivenciar o processo de criar uma obra coletiva e estimular as pessoas a pensarem sobre a importância da arte no cotidiano – diz o curador a ZH, por e-mail.
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Marlot se propôs a fazer a curadoria da residência entre uma e duas vezes por ano, de maneira voluntária. Para a estreia, convidou Penalva, que também abriu mão do cachê. Ao saberem do projeto, lojistas do POPCenter decidiram, em assembleia, bancar custos básicos, como alimentação e hospedagem dos artistas. Uma das comerciantes é Ivone Lemos Prasdio, 59 anos, da Bichita & Zé – Miudezas em Geral.
– A gente chega aqui às 9h e só sai às 19h. Não dá tempo (de ir a exposições). Queria ver essas coisas, tocar nelas – ela afirma, emendando: – Eu sei fazer crochê, tricô. Sei fazer arte também.
Ao ouvir isso, Penalva já propõe recrutá-la para ajudar com as obras. E Ivone encontra tempo na rotina.
– Das 7h às 9h eu posso! – diz a comerciante, empolgada.
Para cobrir outros custos, como a divulgação, o POPCenter procura apoio – missão assumida pela primeira parceira, a Focus Excelência. A agência de publicidade Aldeia é outra que embarcou no projeto, assumindo a construção de uma marca. A diretora do POPCenter tem em mente outra parceira ideal: uma fábrica de materiais de limpeza. É que Penalva projeta uma obra que envolve 40 mil escovas de chão.
– Estou pensando em uma instalação bem grande e, por isso, vou precisar de muitas mãos. Meu desafio é ser relevante para cá, ajudar os lojistas a serem vistos e se verem de uma melhor forma. Uma parcela grande da classe alta não acessa o POPCenter, estou vendo como meu trabalho pode quebrar essa barreira – diz o artista.
Penalva ainda não sabe como será a exposição do trabalho, mas ela já tem data para ser aberta: 18 de abril.
Em vídeo, a diretora Elaine Deboni e o artista Mano Penalva comentam o projeto:
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